sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Obrigado, Cigarras

Lembro de algumas coisas da minha infância de forma viva. Por mais que o tempo passe, por mais que as coisas mudem, sempre que tais fatos voltam, volta também a lembrança. Um bom exemplo é barulho de cigarra! Meu avô, quando vivo, morava na Avenida Conselheiro Furtado, dois quarteirões antes do antigo presídio São José. A rua era repleta de mangueiras (ainda é!) e sempre eu escutava o barulho das cigarras quando terminava o banho de piscina, no finalzinho da tarde, ou quando já estava de banho tomado, cheiroso, deitado na cama enquanto minha avó passava as unhas nas minhas costas para me fazer cócegas. Havia sempre o cheiro do lanche, geralmente café com leite, os primos todos reunidos em bandalheira respeitosa, os adultos sentados no pátio em animado papo sobre política ou outros assuntos sérios. E sempre havia, por detrás dos gritos, das piadas, das bandalheiras e do papo, por trás do cheiro do café e do riso da cócegas feitas pela avó, o barulho das cigarras. Pela quantidade de mangueiras, presumo a quantidade das bichas. E pela quantidade das cantoras posso dizer que o barulho era imenso, o cigarrear delas que fazia parte da casa do avô. O barulho era mais intenso no quarto da frente, o pequenino, onde guardavam os livros e havia uma rede oferecida ao leitor. Também era intenso o barulho na hora de partir - e nesse momento as cigarras me trazem as melhores lembranças: todos se despedindo diante do fim da semana, o trabalho que se avizinhava e os rostos que só seriam visto novamente no próximo sábado, os abraços e beijos, o riso do avô e seu cheiro bom, o carinho da avó e as recomendações para estudar e se comportar. O avô morreu e a avó se mudou, e morreram as despedidas na Conselheiro e o barulho das cigarras no seu quase reino. Hoje restam as novas mangueiras, para quem mora perto de uma, e as lembranças que antigos barulhos trazem.

2 comentários:

Yúdice Andrade disse...

No quintal da casa onde cresci e onde minha mãe mora até hoje, havia várias árvores. As cigarras estavam sempre por lá. Cansei de encontrar as carapaças vazias e me divertia atirando-as em cima de minha tia, que sentia medo ou nojo delas.
O quintal ainda está lá, mas o número de árvores diminuiu, nele e na vizinhança. Não sei se as cigarras ainda cantam nos finais de tarde. Tudo parece tão distante...

Tanto disse...

Ontem passei na frente da casa de meu avô, lá na Conselheiro. Percebi que restam poucas mangueiras das que muito tinham, assim como devem restar poucos moradores que delas cuidavam. Pena existir o tempo.