sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Paris 10 - Paris para crianças

Dentre todos os bons programas que armamos por aqui, três deles se destacam por serem inteiramente dedicados às crianças:

O Palais de la Découverte (Avenue Franklin Delano Rooseveld, 75008 - Metro Camps Elysées-Clemenceau) é um museu idealizado pelo ganhador do prêmio Nobel, Jean Perrin, desde os anos 30, para incentivar o estudo da física e da química. Ele foi instalado no Grand Palais, bem no início da Champs Elysées, e hoje mostra a ciências de forma prática para as crianças. Existem experimentos na área da química, da biologia, da matemática, da física e da astrologia. O Palais passa por reformar e deve ser totalmente renovado (encontrei muita coisa ainda da época que eu o visitava como estudante - e foi emocionante voltar ali e lembrar de tanta coisa boa do tempo que aqui morei). Mesmo com todas as limitações atuais, vale a pena levar as crianças lá e ver as bocas abertas diante de tanta coisa legal (Plena tarifa - 7 euros - Tarifa Reduzida - 4,50 euros - Suplemento Planetário - 3,50 euros).

Outro lugar bacana é a Cité des Sciences e Industrie, que fica em La Villette (bem afastado do centro, no 30, avenue Corentin Cariou - Metro Porte de La Villette). A Cité é mantida pelo mesmo grupo do Palais, a Universcience, que por sua vez é mantido pelo Governo Francês. E o nome Cité, que significa cidade, faz jus ao local - é uma verdadeira cidadela construída e dedicada ao que há de mais moderno no mundo - aviões a jato, carros elétrico e foguetes maravilhosos, barcos movidos a energia solar e uma ala inteira dedicada às novidades do design. Também tem uma parto nova sobre pirataria ao redor do mundo e sobre genética - tudo em completa acessibilidade para portadores de necessidades especiais e idosos - e tudo com acesso liberado para toques e todos os demais sentidos das crianças (e adultos) curiosas. Lá também fica a Géode, cinema inaugurado em maio de 1985 com uma tela de 1000 metros quadrados e um sistema sonoro de 21 mil watts. Nem precisa falar mais nada, não é? Vimos um filme sobre o telescópio Hubble - e é incrível como uma iniciativa destas muda uma criança - Maria não parou de me fazer perguntas e ainda quis ler mais na internet, chegando em casa (Plena tarifa - 20,50 euros - Tarifa reduzida - 16 euros - Menores de 6 anos - 9 euros)!

Por fim, hoje, dia 28 de janeiro, visitamos o Aquário de Paris. Apesar de ser um dos locais mais belos que já vi, fica quase esquecido, ofuscado pela presença da Torre e pelo fato de ainda ser novidade - ele foi inaugurado em 2006. O endereço: jardins do Trocadero, Metro Trocadero, justamente aquele que nos deixa na frente da Torre! Difícil competir. Mesmo assim, se tiver um tempo livre, mude sua vida e conheça o fundo do mar como você nunca viu. Seja conhecendo minúsculos peixinhos, ou o aquário dos enormes e majestosos tubarões, tudo ali é feito para te deixar bestificado. Não deixe de alimentar as carpas na Piscina dos Carinhos: os tratadores te dão a comida e você enfia a mão no tanque! É maravilhoso ver o peixes vindo e pedir comida, tentando abrir sua mão para pegar o jantar deles. Faça carinho nos peixes e deixe que eles beijem sua mão - eles não têm dentes. E se deixe ficar o tempo que for necessário - não é todo o dia que você visita um aquário de quase 3.500 metro quadrados, com 10 mil espécies de animais marinhos, no subsolo de Paris (Tarifa única - 19,50 euros).

São três locais perfeitos para crianças, dentre tantos outros, e digo isso após o teste perfeito: uma filhota de 10 anos, morrendo de frio e de saudade de todos. Ela adorou tudo e quer repetir alguns - o que faremos antes de partir.

Paris 9 - Papai tá dodoi

Antes de mais nada, é importante explicar que o apelido da Maria é Nanam. Desde que bati meu ombro, andamos por Paris (ela engatado nos meus braços) enquanto ela canta: "Papai tá dodoi - Nanam dá dá beijo que passa, Nanam dá dá beijo que passa, Nanam dá dá beijo que paaassaa". É tão bonito Maria cantando forro adaptado à minha dor.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Paris 8 - Perfeição

Dizem que a pior coisa é idealizar momentos ou pessoas: você faz tantos planos, imagina tantas coisas e, na hora H, quando elas não se realizam, acaba surgindo uma frustração absurda, capaz de gerar o pior sentimento de fracasso e desânimo. Ocorre que nem sempre é possível deixar de fazer tais planos ou idealizações, e vez ou outra a gente se pega imaginando como seria tal momento, o que faríamos se dessem certo e como seria bom se tudo acontecesse como previsto, tudo igual a um sonho.
Quando decidi comemorar o aniversário da Maria em Paris, com meus pais e minha irmã, imaginei logo uma festinha em algum restaurante com vista para a Torre, tudo precedido da fundamental subida ao topo que descortinaria uma vista privilegiada à minha filha. Haveria vovó e vovô, haveria a tia e seus colegas de curso, haveria cantoria de parabéns e um bolo simples e velas - além de presentes dados de coração.
Isso foi o que sonhei - e Maria incorporou de tal forma esse meu desejo, que por conta própria decidiu não ver a Torre e nem passar por perto dela até o dia 25de janeiro - aquele momento estava reservado para a ocasião especial que ela sabia que eu planejava. E a coisa ficou tão bem planejada na nossa cabeça que certa vez, andando pela beiro do Sena, acabamos dando de cara com a Torre, impávida e majestosa, visão impossível de ser evitada. Instintivamente minha moleca cobriu os olhos e me abraçou, meteu o rosto pelo meu casaco e se escondeu. Ela disse que não era aquele o momento, que aquilo só podia acontecer no dia do seu aniversário, como eu havia planejado, e saímos dali, da visão possível da giganta, para evitar o “pior”. O clima todo estava criado e só faltava torcer para que desse tudo certo... E eis que não se deve idealizar nada!
No dia 25 de janeiro, bem cedinho, acordei minha filha cantando Parabéns. Fiz mil carinhos, mil massagens e dei mil beijos e lambidas na minha cria. Ela acordou feliz e ganhou logo o primeiro presente - uns euros que vovó havia separado para comprar o grande presente, um Nintendo DS XL Amarelo, reluzente. Arrumei a mesa do café com todas as gostosuras que ela adora e sentamos todos juntos. E depois fomos nos arrumar para seguir com os planos... e se não fossem as complicações.
Saindo de casa, vovó Amarilis começou a se sentir mal por conta da gripe que havia começado no Brasil e resolveu atacar mais forte no frio francês. Mesmo assim, vovó se vestiu para sair com a neta e agüentou firme até onde pôde.
Além disso, havia a chateação de não ter notícias de minha irmã: desde que chegamos em Paris não conseguíamos falar com a Luanda. Já no aeroporto ela se separou e seguiu com os colegas do curso de francês e depois disso, as estranhezas desse mundo cheio de tecnologias, não conseguimos contato por e-mail e nem por telefone.
Havia ainda o problema da mala extraviada de minha mãe, problemão que nos obrigava a constantes paradas para compra das roupas necessárias para enfrentar a temperatura que variava entre oito e dois graus. E junto com a mala, ficou extraviado o cabo de energia do notebook, pelo que estávamos sem computador e, conseqüentemente, sem internet.
Tudo explodiu justo no dia 25 de janeiro, aquele dia reservado para as festas e comemorações, para subida na Torre e cantorias, tudo oferecido para minha filhota pelos seus dez anos. Obviamente minha mãe só piorou da gripe durante as andanças pelas ruas frias de Paris - que são impiedosas aos doentes. Também ficamos estressados e nervosos sem contatos com minha irmã – neste dia fizemos diversas paradas em busca de redes wi-fi e nenhum telefone prestava ou atendia, e nenhum endereço batia! Da mala não tínhamos nem sinal, a TAP completamente omissa e inoperante obrigando minha mãe a fazer um guarda-roupa de urgência em terras estrangeiras (desde um tudo, já que nada havia), ela que caminhava doente em busca do necessário. E ainda fomos enganados pelo vendedor da FNAC do Boulevard Saint-Michel, que empurrou um cabo de energia que simplesmente não servia no computador (e esse seria o cabo salvador com o qual poderíamos, por fim, manter contato com Luanda). Só percebemos o erro quando chegamos em casa, o que nós obrigou a voltar à FNAC no mesmo pé, com a mãe doente, com o pai stressado e sem a irmã sumida, a volta que era precisada diante da necessidade de comunicação. O homem azedo (no sentido literal) pediu mil desculpas e se dispôs a trocar o cabo, mas como a sorte some quando se precisa dela, é claro que não havia o cabo necessário naquela loja - e em nenhuma outra em Paris.
E foi assim que nos vimos - a avó doente, se sentindo muito ruim e sem mala - o avô estressado e cansado, sem notícias da filha - todos sem internet, somente com meu Iphone e suas limitações - todos cansados e com frio, meio que perdidos e sem saber o que fazer - e no meio disso uma menina maravilhosa, quieta e educada, que assistia tranqüila à sina dos seus adultos sem qualquer espécie de cobrança ou reclamação. Ela já havia comprado seu Nintendo DS XL Amarelo, lindo, mas ele estava guardado na caixa esperando o momento certo para ser aberto. E já eram quase 18 horas, no meio desse horror que devia estar sendo aquele aniversário, quando Maria se virou para mim e disse: "Papai, vamos voltar para casa e deixar a Torre para outro dia. A vovó e o vovô precisam descansar e está ficando tarde... Eu comemoro meu aniversário depois". Ouvir aquilo no meio do Boulevar Saint-Michel quase me fez chorar. Idealização, frustração e angústia, tudo sobre o que falei no início desse texto me atingiu de maneira assustadora. Meus pais não teriam condições de continuar em mais andanças, minha irmã estava incomunicável e sobrávamos nos dois, pai e filha, únicos responsáveis pelo sucesso daquele aniversário! Podia não ser como planejado, com a festa e tudo o mais, mas seria uma coisa maravilhosa, o aniversário comemorado no alto da Torre e com direito a patinação e muito carinho. “A gente vai sim, nem que só nós dois, mas a gente vai subir a Torre hoje!”.
Meus pais realmente não tinham condições – e tiveram que assumir isso: “Filho... Vamos para casa. Me sinto ruim e não tenho como continuar”, disse minha mãe. E rapidamente acertamos que iríamos até a Torre e voltaríamos a tempo de jantar juntos. E foi assim que acabamos os dois, de mãos dadas na loucura do metro de Paris, rumo ao ícone da cidade (e do país). Eu também estava cansado, mas ver o sorriso de Maria me motivou a ir até onde fosse preciso.
Descemos do metro e vínhamos pela margem do Sena, caminho justo para sair bem na frente da Torre. E quando dobramos uma esquina e a vimos, iluminada em todas as suas luzes, piscando de forma maravilhosa, Maria parou e ficou olhando, encantada. Eu já sabia o que veríamos quando dobrássemos a esquina, e fiquei só esperando a reação da pequena. E quando cheguei bem ao lado dela, só pude ver a boca aberta e os olhos mais arregalados do que nunca: “Papai, ela é linda!”. E antes que eu pudesse falar qualquer coisa, mil poses foram feitas para as mil fotos a serem mostradas para a mãe Priscilla, a avó Marta e o irmão Carlos. E fomos caminhando assim, até a Torre, dois passos e uma foto, dois passos e mais um casaco que pulava da minha mochila, dois passos e mais um cachecol...
E foi justo embaixo da Torre que piscava alucinada, eu atento procurando a fila dos ingressos, que senti a pequena me abraçar e enfiar a cara na minha barriga. E por entre os panos dos casacos, pude escutar o filete de voz que disse “Obrigado, papai, pelo melhor aniversário da minha vida”. Foi então que não consegui mais manter pose nenhuma, de pai forte e de incansável, e me ajoelhei ao lado dela e a abracei, beijei e chorei. No meio do choro, lembro de agradecer a ela por existir em minha vida, por me fazer ser alguém melhor e por me ensinar tanta coisa. Disse que se não fosse por ela, quem sabe quem eu seria? Afinal de contas, se estudei, foi por ela! Se trabalhei, foi por ela. E se o Carlos pode ter, agora, um pai que sabe ser pai, foi porque ela me ensinou tudo. Pensei em tantas coisas que enfrentamos juntos, firmes, e tantas coisas pelas quais passamos! Pensei em todos que aprendi a amar por conta dela, a menina de dez anos que mantém todos unidos e nem sabe desse poder que tem. Pensei na avó materna dela, a Marta, que virou quase uma mãe, e na mãe da Maria, a Priscilla, que hoje é minha grande amiga. Pensei no tio Felipe, o pai-pai dela, o segundo pai que por ela faz tudo e por quem tenho o maior respeito – se um dia eu não estiver mais aqui, sei o que ele será para ela! Pensei em meus pais e em tudo que fizeram pela gente quando a gente não podia muito. Também pensei na Tainá, que agora me ajuda nessa batalha diária que é criar crianças, e na minha outra criança, o Carlos, tão longe e sempre tão presente nas nossas vida! Pensei em tanta coisa e ainda chorei um bocado enroscado na melhor filha do mundo, que me carinhava a cabeça e ria da minha besteira. E pude chorar até o momento em que ela, cansada de somente ver, disse que queria subir logo e conhecer tudo, e então não pude mais chorar e porque estava muito ocupado sendo o homem mais feliz do mundo!

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Paris 7 - O dia mais esperado

Paris, 25 de janeiro de 2011
Ela ficou desolada quando recebeu a notícia, mas meio que se consolou: "Filha! Se você nasceu à 22 horas do dia 25 de janeiro, e se aplicarmos o fuso horário francês neste horário (mais cinco horas), teremos que seu aniversário só chegará realmente no dia 26 de janeiro, por volta de duas da manhã. Assim sendo, nada de festas no dia 25! Se conforme e espere o 26!". Obviamente meus pais confirmaram a brincadeira e ela, pensativa diante da nossa seriedade, ficou calada. Pelas costas da pequena nós ríamos o riso dos adultos espertalhões e trocávamos olhares cheios de piscada. Finalmente, depois de um tempo, resolvi desmentir a farsa e confirmar que as comemorações seriam no dia mesmo. Ela escrevia no seu caderninho textos para o blog da Tantinha, e sentei do lado, ainda com ares de adulto espertalhão: "Filha... É brincadeira do papai. Claro que seu aniversário será amanhã e ..." no que fui interrompido "Eu sei disso. Já conheço suas brincadeiras, né papai?". Um pouco balançado, ainda tentei contra-argumentar: "Mas você quase acreditou, tenho certeza", no que fui interrompido novamente, desta vez de forma devastadora "O que seria de suas brincadeiras, papai, se eu não fingir que acredito?". E o adulto espertalhão, calado e derrotado pela filha que achava estar enganando, conformado veio registrar sua decadência. Deixando isso de lado, hoje haverá festa sim! Ainda não sabemos onde, mas assim que souber eu aviso. Por conta da comemoração nós, juntamente com Luanda e seus colegas de curso, devemos jantar em uma pizzaria perto da Torre. Haverá também, antes, compra de presentes, subida na Torre (com direito a patinação no ring de gelo no primeiro andar) e visita ao Palácio das Descobertas, um simpático e maravilhoso museu, quase desconhecido,  dedicado às crianças e à ciência que eu frequentava muito quando estudei aqui. De noite posto sobre os presentes e comemorações e tento postar fotos!

Paris 6 - Maria e o francês

Paris, 24 de janeiro de 2010
Tenho percebido que o curso de inglês da Maria é um dinheiro muito bem gasto. Aqui na França ela tem se interessado e falado bastante comigo - que faço pose de sabichão e tento não passar vergonha. Hoje, na patinação, ela ficou amiga de duas australianas bem novinhas e que não sabiam patinar. Em inglês, ela ofereceu ajuda e ficaram patinando juntas até quase o final. Vez ou outra ela me pedia ajuda com algumas palavras, mas no geral teve todos os méritos. Outra coisa bacana que percebi: a moleca tem um dom para línguas (eu sei que todo pai fala isso...)! Ela já pegou o som de várias palavras francesa e as fala de forma bem correta. Por exemplo: ela já conta até dez e responde corretamente aos obrigados, bons dias e noites, aos desculpas e por favores, tudo isso de forma voluntária e sem que eu tenha ensinado. O que fiz foi corrigir quando houve um uso indevido, mas mais uma vez os méritos são todos dela. Acho que vou pensar em mais dinheiro bem gasto na volta: um curso de francês para minha filhote!

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Paris 5 - Maticota curte

Maria não sabia bem o que iria encontrar. Sabia do frio e sabia da modernidade, sabia das comidas e dos hábitos diferentes - e ela se surpreendeu. O frio foi mais frio do que ela imaginava, e as coisas modernas são mais modernas ainda - no primeiro dia a pequena sofreu com a baixa temperatura e, quanto mais roupa eu oferecia, mais roupa ela queria. Tudo melhorou quando ela começou a ver os prédios e as lindas vitrines das lojas, os monumentos indescritíveis e as enormes igrejas, quando tudo foi ficando mais interessante. Agora, por exemplo, quando ela vai patinar com as outras crianças, pede para ficar sem casaco e sem luvas, com pouca roupa para não atrapalhar os movimentos. E o Metro, que é surpreendente para qualquer um, fica mais legal para a pequena! Quilômetros e mais quilômetros por baixo da terra que percorrem praticamente toda a cidade não é algo comumente visto, não é? Também é surpreendente o sistema público de bicicletas, com pontos que são encontrados em todos os lugares. Ela está doida para pedalar por Paris, mas todos dizem que é um pouco perigoso e tenho tentado demovê-la dessa idéia. Outra coisa que a deixa louca, mais do que qualquer outra, é a patinação no gelo (que já mencionei acima). O ring da Prefeitura de Paris é enorme, quase do tamanho de meio campo de futebol, tem wi-fi de graça e é tomado por turistas e patinadores profissionais. O mais importante é que todos se respeitam e se ajudam - muito comum, por exemplo, ver um patinador que antes estava barbarizando nas manobras, parar a ajudar um senhor, que acaba de colocar o patins pela primeira vez, a se levantar. Maria tinha poucas noções de patinação, mas nestes dois dias ela teve um avanço fantástico. Hoje ela já patinou sozinha e segura no ring grandão, dos gradões, e até fez amigos entre os franceses, além de australianos (com quem falou inglês) e de um bando de brasileiros. E assim vai nossa vida francesa - maravilhosa apesar da enorme saudade da Tainá, do pais Carlos e Regina, da vovó Marta, da Nilda, da Piscilla, do Felipe, da vovó Ivete... Eita lista grande! Depois farei textos mais detalhados sobre o Metro e o Velib, sistema de bicicletas.

Paris 4 - Conectividade

Paris é incrivelmente conectada. Todos os espaços públicos têm conexão oferecida pela Prefeitura da cidade. Muitos dos restaurantes, bares, cafés e hoteis também oferecem o mimo, mas somente para seus cliente e mediante código. As boas dicas: McDonalds e Starbucks têm conexão de graça e sem senha. Basta estar perto de uma loja e dar uma curta logadas (ou então, o que temos feito: comprar um copo de café com leite, ou chocolate quente, e usar da conexão sem nenhuma culpa, calmamente sentados e aquecidos). Já os espaços públicos, apesar de listados na internet e identificados por meio de placas, têm o grave problema de serem em locais abertos e assolados pelo frio (quase todos). Hoje encontrei uma conexão maravilhosa na frente da Prefeitura de Paris, justo no ring de patinação que temos ido. Assim, enquanto minha Maria patina alucinada, posto textos e vídeos e mantenho contatos pelo Skype o Viber. Com o tempo vou listando os bons lugares de conexão na cidade e deixo tudo para vocês, futuros viajantes, aqui nestas páginas.
P.s.: outra dica maravilhosa (Imperdível) - as lojas da Apple são o paraiso. Além de oferecer a melhor conexão que já vi por estas bandas, elas oferecem computadores para uso dos visitantes (e as pessoas realmente os usam - vi pessoas que passaram longos minutos verificando e-mails, twitter e facebook, sem serem incomodadas e partindo logo depois, sem qualquer tipo de culpa). A sugestão é a loja da Apple que fica no subsolo do Louvre. Visite o museu, se canse e fique sentado num dos bancos da loja, calmamente mandando notícias aos parentes no Brasil.

domingo, 23 de janeiro de 2011

Paris 3 - Jet Lag

Paris, noite de 22 de janeiro de 2011.
Em Belém seria meia noite e quarenta. Em Paris, três e quarenta da manhã. Maria se revira na cama e acorda com frequência, e eu também tenho minhas dificuldades. Por fim, minha menina pede para dormir comigo e acabamos agarrados sob meia tonelada de cobertores. Aqui dentro o termômetro marca 21 graus, mesmo com o bom aquecimento das casas francesas. Lá fora, assustadores dois graus negativos... E chega por hoje: finalmente a pequena parece ter dormido, depois de um copo d'água, e vou tentar o mesmo. Só uma nota final: acho que os textos estão indo sem formatação alguma. Peço desculpas, mas estão sendo feitos exclusivamente, curtos e grossos, no Iphone 4. Depois refarei a formatação e tudo ficara bonito e arrumado. A casa agradece.

Paris 2 - Paris e Maria

Maria estava ansiosa para conhecer a cidade. Oficialmente é minha quinta vez em Paris - sem contar os quase dois anos em que morei na França quando adolescente, período repleto de visitas nos finais de semana (o que em tese resultaria em incontáveis vezes). Isso significa que já tenho uma ânsia controlada pela cidade, um amor calmo e terno que me permite ir direto ao ponto e me livra, decerta forma, da empolgação. Com Maria é diferente: além de primeira vez na Europa (e ainda em Paris), é também a primeira vez dela no frio absurdo que faz aqui. Ela já passou pelo frio em São Paulo e no Rio, mas aqui é diferente... bem diferente. Então reforçamos as roupas e fomos encarar o zero grau que o termômetro insistia em marcar, amedrontador, nada disso capaz de demovê-la da empolgação. E com nove anos e uma breve carreira de estudante de inglês, minha menina parece um cidadã do mundo: fala um bom inglês comigo - que já começo a me constranger com alguns esquecimentos e falhas - pergunta sobre tudo e se diverte com os inúmeros cães que andam soltos e livres de seus donos. Aviso logo que os franceses são chatos com seus cachorros e alerto que só faça carinho em um se pedir antes ao proprietário. No fim, depois de uma bela pizza de quatro queijos - inclusive o brie, que ela adora - minha Maria acaba apaixonada, pelo longo e molhado Boulevard que começa na Bastilha, além da paixão pelas histórias que contos e pelas luzes e pelas árvores e pelas lojas e pelos sons e pelo frio... A noite acaba com café com leite (sempre) e chocolate quente no Café Clube, um bar-café mais do que decente que fica bem pertinho, com wi-fi grátis e o maravilhoso serviço do Alfredo, um senhor francês, destes aducados e elegantes, com que treinei meu enferrujado francês.

Paris 1 - Chegada

A chegada foi conturbada: eu, que chegava de TAM por Charles de Gaulle, quase acreditei no extravio de minha mala e amarguei longa espera que me atrasou bons minutos. Por fim, com quase 40 minutos de atraso por conta da mala, consegui pegar o ônibus que me levaria ao aeroporto de Orly para buscar os demais, que viriam pela TAP. Trajeto feito rapidamente em um trânsito surpreendentemente bom, encontrei meus pais e minha filha desolados: lá sim houve um extravio, pobre mala de minha mãe que se perdeu pelo caminho e a deixou na situação desconfortável dos que têm pouca roupa em um inverno rígido. Procedimentos de praxe feitos, pegamos um taxi e zarpamos chez nous - um simpático apartamento que alugamos no Marais, rue Amelot, uma rua pequena e cheia de restaurante bem ao lado do Boulevard Beaumarcher. O apartamento é maravilhoso: todo equipado, bem decorado e charmosíssimo. Na frente do prédio tem uma badalada boite (descobri mais tarde) e, ao lado, um Shopi, supermercado cheio das gostosuras francesas que já abastecem a geladeira. Essa é a melhor forma de aproveitar Paris nestes quase 15 dias: vivendo como os parisienses.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Saudade

Foi no avião que a saudade começou a bater. Meu pai, sempre cheio de coisas, nem pôde ficar comigo no aeroporto para se despedir direito. Acabou sendo uma coisa corrida e, infelizmente, muitos beijos tiveram que ficar para a volta. Então é isso, paizinho: na volta o senhor me busca no aeroporto e a gente dá todos os beijos e abraços que não pudemos dar na despedida. Te amo muito.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

A face mais cruel do inverno paraense

Para os paraenses, inverno significa chuva. E com esse mundo de água que tomba, os insetos conhecidos como carapanãs se reproduzem de forma alucinada e o número de nascimento chega a medições astronômicas. 
É justamente esse ciclo - muita chuva - carapanãs - reprodução e nascimento - mais carapanãs - a face mais cruel do inverno paraenses. Segundo dados recentes do IBGE, cerca de 5.000 mil carapanãs são engolidos por dia, de forma involuntária, neste período que vai de dezembro até março (não foram computados dados referentes à preferência alimentar dos entrevistados). Nos outros meses, com menos chuvas, o número de engolimentos involuntários não passa de 500, em um claro sinal de que a chuva é fator predominante.
Os relatos de acidentes envolvendo bocas desavisadas e os infelizes mosquitos são tenebrosos e fortes. Dona Maria, 62 anos, moradora do Guamá, nos conta do dia em que quase morreu vitimada por um carapanã em sua goela:
- Eu estava assistindo Ti Ti Ti com meu neto mais novo, o Raj (ele nasceu na época daquela novela), quando resolvi bocejar e senti o bichinho se remexendo  na minha boca. Ainda tentei cuspir, mas era tarde... Só deu tempo de sentir o carapanã descendo rumo ao estômago e passar mal. Pensei que ia ter dengue ou malária, fiz até exame de Aids, mas felizmente não tive nada. Nós todos ficamos muito traumatizados depois desse fato, tanto que meu neto Barruan (um pouco mais velho que o Raj) tem medo de abrir a boca até para falar. Espero que esse medo passe um dia..
Outro vitimado é o advogado Fernando Gurjão Sampaio, 32 anos, que nos faz seu relato:
- Eu estava na Fox Vídeo da Dr. Moraes batendo papo com um amigo, quando percebi que havia engolido um carapanã. Eu estava bem no meio de uma frase, falando sobre o Xanax, esse novo remédio para pânico e ansiedade, quando o bicho resolveu se matar em mergulho fatal rumo ao meu estômago. Imediatamente eu comecei a tossir, e só posso dizer que é estranho, muito estranho... Você sente as patinhas roçando na goela, aquele pedacinho de coisa nojenta tocar na sua garganta e descer... Praticamente vê sua vida passar diante dos olhos em um segundo. Se não fosse meu bom amigo ali, para me aparar e arranjar um copo de água, acho que não teria conseguido sair desta.
Apesar do drama para os paraenses, dados do DIEESE indicam que o engolimento involuntário de carapanãs movimenta a economia local e provoca o aumento na venda de bebidas em geral. Segundo Seu Joaquim, português, 58 anos, presidente da Associação de Padarias, Quitandas e Vendinhas de Bairro de Belém, a ASPAQUIVENBAIBEL, são frequentes os pedidos desesperados de água ou refrigerante usando o engolimento involuntário como desculpa:
- Oh Pá. Isso é um facto facilmente constactável. Basta que fiques a passar uns poucos minutos à beira do balcão, na bicha, para veres que não falo inverdades!
Nenhuma fonte da Prefeitura de Belém ou do Governo do Estado se manifestou sobre o grave assunto, mas é certo que poucos são os que ainda ousam abrir a boca, em longos bocejos, diante de tão perigoso inimigo.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Explicação do risca o sete

Bastou falar sobre o mistério piadístico do risca o sete e o Toni Rodrigues encontrou a respostas. A forma dos números se relaciona com a quantidade de ângulos que eles têm. O um tem um ângulo na sua escrita. O três, três, e assim por diante. Ele até mandou uma imagem bem elucidativa.
Ou seja, nada de sacanagem com os mandamentos.

Origem dos números

Muitas pessoas, quando escrevem o número sete, colocam um pequeno traço bem no meio do número. Poucas pessoas sabem a razão dessa marca - mesmo porque, oficialmente, esse pequeno traço não existe. Se você digitar o número sete no computador, calculadora ou qualquer outro aparelho, facilmente vai perceber isso. Então resta a questão: de onde surgiu esse costume aparentemente sem explicação? Pois bem, voltemos muitos séculos atrás, aos tempos bíblicos, quando Moisés estava no Monte Sinai e lhe foram ditados os 10 mandamentos. Em voz alta ele foi anunciando tais regras à multidão, um por um, até que chegou no sétimo deles. Moisés então falou: "Não desejarás a mulher do próximo!" E foi então que, após um breve silêncio, a multidão começou a gritar em coro: "Risca o sete, risca o sete".

P.s.: não vou me desculpar por esta piada.

Amanhã

Amanhã escreverei neste blog.

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Andorinha

Querido Tonícores,
Eu devia ter uns seis anos quando conheci minha avó Áldora. Ela, com quase 72, não tinha nenhuma obrigação de me acolher com carinhos ou cuidados. Ela poderia, e isso bastaria dentro de todas as convenções sociais, me receber com educação e distância - e ninguém poderia lhe criticar. Acontece que essa não era a natureza dela, entende? Quem nasce para cuidar e ter carinho, quem nasce com esse dom, nunca consegue se libertar e acaba fazendo disso uma prática diária...
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Meu irmão era chamado de tratorzinho. Eu, apesar de não ter um apelido tão destrutivo, não era flor de bom cheiro. Além de nós dois ainda havia Malu, Paulinho, Mariana, Mario Bola, Larissa, Geisa, Luciana e a outra Mariana... E ainda havia o Leonardo e o Daniel (esse já mais comportado, pois era o maior). E com tanta criança correndo pela velha casa da São Jerônimo, a 'três patinhos na lagoa', a fazer ranger o piso de madeira, com tantas bocas para alimentar nas tardes de final de semana, mesmo assim, ela sempre foi só carinho com os pequenos que chegaram de pára-quedas no enorme quintal onde morava a velha cadela Lua.
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Ela não era mãe nem avó de ninguém. Apesar disso, ela foi mais mãe e mais avó do que muitas que teimam em vagar pela terra. Na verdade, ela foi pura definição de amor e dedicação... Quando sua cunhada morreu, muito nova, e deixou seu irmão, Ernesto, com responsabilidade pela criação dos quatro filhos, foi ela quem aceitou dividir e também assumir todas as responsabilidades.
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Lembro principalmente do lanche dos sábados e domingos, sempre no final da tarde, no tempo em que podíamos estacionar na São Jerônimo sem problemas. A casa era um deslumbre, casa antiga cheia de enfeites e detalhes, destas que não existem mais em um mundo de caixotes e janelas pequenas.
A casa era repleta do cheiro das boas comidas, do bolinho de farinha de tapioca, do quadradinho de banana, dos bolos, do pavê da Dona Ana, dos doces, dos pães, dos salgados e do café com leite. Também havia o fio d´ovos, e disso nunca esquecerei, que somente ela sabia onde comprar e era o melhor de todos... E nunca mais comi tudo isso.
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Ela era uma portuguesa pequena, forte e destemida - como quase todas as portuguesas são. Com ela aprendemos várias brincadeiras que ainda nos farão chorar por sua mera menção, brincadeiras feitas para deixar as crianças quietas, sentadas nas cadeiras de embalo do pátio, com frases inteligentes e inesperadas, coisa antiga que nem sei de onde veio.
Galinha no choco, cachorro late?
Chocolate
(respondiam as crianças em um grito só)
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Bento Botelho Barbosa Batista, tinha um burro branco chamado brancura e um bode barbado que fazia beee, beee
(que na versão com sotaque português virava:)
Vento Votelho Varvosa Vatista tinha um vurro vranco chamado vrancura e um vode varvado que fazia veee, veee
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Também havia o Pegue esse anelzinho e não conte nada a ninguém e o Telefone sem fio, que sempre resultava nas coisas mais absurdas, choros e brigas: A lua é bonita chegava como Malu é feia. O pato pateta chegava como Tanto tem perna fina. Acho que foi numa dessas que o Mário virou Mario Bola.
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Quando a coisa se tornava impossível de ser controlada, quando o mundarel de crianças Maneschy, Faria, Correa, Bibas, Lobato, Sucasas, Gurjão Sampaio, Tupiassu e Teixeira desandava a explodir, só restava o golpe derradeiro da Panela Podre: Coloca na Panela Podre coco de cachorro, xixi de gato, bustela de boi e olho de vaca. Coloca também sujeira de pé, cera de ouvido, dente podre, suor de suvaco e carne de gambá. Coloca tudo na panela podre e tampa. E quem falar primeiro vai comer tudo – e isso era tiro e queda para obter crianças caladas por uns bons minutos.
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No enorme quintal da casa da São Jerônimo, dentre tanta correria e boladas, nós brincávamos de tudo. Lá, fomos habilidosos jogadores de vôlei e de futebol, sempre armados com chutes errados e passes tortos, tudo resultando em perigosos resgates de bola nos quintais vizinhos.
Lá brincamos de pira-se-esconde, pira-pega e pira-cola. Lá nos divertíamos nos balanços que ficavam perto do quarto de empregadas, já no limite permitido do quintal. Lá pisávamos no coco da Lua (detestávamos) e éramos picados por mucuins, maldita mordida que só parava de arder após muito banho de álcool e carinho de avó (adorávamos).
Também brincávamos de roda, e que pessoa, na minha idade, pode dizer que ainda brincou de roda quando criança? A preferida era Bom dia vossa senhoria, que sempre terminava em choro das Marianas e da Malu, alvos preferidos das bandalheiras, ou em unhadas da Larissa, que sabia se defender das nossas espertezas:
1 - Bom-dia Vossa Senhoria / manda tiro, tiro, lá
2 - O que quer Vossa Senhoria / manda tiro, tiro, lá
1 - Eu quero uma de vossas filhas / manda tiro, tiro, lá
2 - Qual é que lhe agrada / manda tiro, tiro, lá
1 - Me agrada a Mariana / Malu / Larissa / manda tiro, tiro, lá
2 - Que ofício lhe dará / manda tiro, tiro, lá
1 - O ofício de lavadeira / lixeira / mendiga / manda tiro, tiro, lá
2 - Esse ofício não me agrada / manda tiro, tiro, lá
Também tinha Boca de Forno e as missões mais engraçadas e difíceis possíveis.
Boca de forno? Forno.
Jacarandá? Dá.
Onde eu mandar? Vou.
E se não for?
Apanha um bolo.
Remando, remando (e lá vinha a missão) eu quero que me tragam um tijolo / um sapato furado / um anel de noivado...
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Depois de grandes, largamos a brincadeira de roda no quintal e passamos às rodas de bate-papo entre os primos nas cadeiras de embalo do pátio. De lá tínhamos vista privilegiada da sala de jantar e da porta da cozinha, vigilância mais do que necessária para os esfomeados e sedentos jovens que insistiam em crescer assustadoramente e já eram bem maiores do que a avó.
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O Círio era na Assembléia Paraense, debruçados na Presidente Vargas, sempre com os Gurjão Sampaio. Mas as Trasladações eram sempre com ela, a São Jerônimo que ficava bem ao lado da Nazaré e permitia uma breve caminhada para ver a Santa passar. Lá também havia Natal e foi onde aprendi a gostar de amigo invisível e do bolo especial com Vinho do Porto (preciso pedir a receita à tia Bia). Lá havia tanta ocasião especial...
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Ela sempre dizia que havia sido bonita, que não era 'peixe podre' e que os rapazes eram sinceros admiradores. Ela contava das festas maravilhosas na Sede da Assembléia Paraense, na frente da Praça da República, na época em que se podia andar na rua sem nenhuma preocupação. Ela também contava sobre suas andanças diárias, em salto altíssimo, se equilibrando nos paralelepípedos e pedras portuguesas do comércio para ir e vir do escritório da família onde trabalhou por longos anos.
E ela contava tantas outras coisas bonitas, tantas coisas legais - e no tempo em que amar significava coisa bem diferente de hoje, teve um pretendente que compôs uma valsa para ela. E teve outro que quis casar, mas não pôde (pois ele, também português, era separado e tinha filhos). E minha avó Áldora, mocinha ainda, teve um namorico com Aristeu, também mocinho, que depois se tornou meu avô, marido da minha avó Lourdes (pais do meu padrasto), e isso era motivo de ciúmes velados, cheios de educação – e quem ainda duvida da natureza oval de Belém, desde sempre.
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Na versão Legal, ela foi a tia que criou minha madrasta. Na nossa versão, muito mais legal, ela é a mãe da minha mãe. Ela era pequenina, andava com uma bengala bonita e adorava sua cadeira de embalo. Ela calçava 32 e dizia que isso era a causa de seus desequilíbrios ( - Com um pé tão pequeno, como posso ficar em pé?, perguntava entre risos). Ela sentia cócegas no pescoço e eu adorava fazê-la rir com fungadas carinhosas. Por essas outras, ela dizia que eu havia sido seu marido em outra encarnação – e essas pequenas frases de amor, esses pequenos gestos de cumplicidade, ela tinha com cada um de nós e era sua forma de fazer com que todos se sentissem únicos.
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Ontem, com 97 anos, ela morreu depois de décadas de uma saúde forte e perfeita. Ontem, após uma vida plena e feliz, após ter criado quatro filhos e uns tantos netos (e de ter visto bisnetos), o coração cansado não resistiu a parou de se equilibrar, ainda de salto altíssimo, sobre buracos da vida. Ontem, maldito ontem, a dor se fez presente, a mesma dor que, até então, se escondia na moita com rabo de fora e somente ameaçava. Agora surge uma saudade indizível, uma saudade que perturba como mosca e não nos deixa por mais que se abane, o algo incômodo que gruda firme na carne e impregna a alma.
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Hoje resta lembrar e se sentir feliz, de preferência tomando um golinho de malzbier e comendo uma coxinha de pru (ainda o sotaque lusitano que, sempre presente, matava o pobre peru). Hoje resta sentir que a união não se perde, que o elo que sempre foi tão forte não se separar por nada e impossibilita que se faça distante.
Resta também a lição do que realmente é uma família: mais do que sangue, amor; mais do que ventre, cuidado; mais do que registro, carinho. E mais do que dever ou obrigação, pura vocação.
Essa é minha avó Áldora, em um apanhado de dados e características pensado na pressa de uma manhã lenta e morna, um texto sofrido diante de tanta memória que volta e afoga, de tanta coisa boa a saudosa que, felizmente, não some.
É um texto necessário não somente para mim, a necessidade de lembrar e registrar o que me define, mas principalmente para aqueles que, como você, não tiveram a imensa sorte de tê-la conhecido.
Um beijo,
Do teu amigo,
Fernando.