sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Breve ensaio sobre a urina

Um adulto normal pode produzir entre 1000 e 2000 ml de urina por dia, sendo que o volume mínimo necessário para remover do organismo todos os produtos residuais é de cerca de 0,5 L em um homem de 70 kg – tudo que vier acima disso é excesso de água.
Vocês já pararam para refletir sobre urina?
Sinceramente nunca parei para qualquer reflexão neste sentido. Limito-me ao normal de a gente “sentir” a urina quando fica apertado, aquele breve desespero que nos aflige e nos impulsiona a procurar um banheiro, um canto qualquer que nos permita o alívio. Quem aqui já não soltou, ao menos uma vez na vida, suspiro aliviado ao se deparar com a placa característica dos seres humanos, o masculino e feminino, feitos de palitos.
Mijar é ato quase involuntário, nada a passar pela mente, nem decisão a ser tomada, somente o ato que impulsiona ao fazer o que é necessário!
Vejam minha rotina: tento manter sempre um grande copo de água em minha mesa de trabalho. Em gesto também automático, esvazio e encho vários copos e, nesta brincadeira, bebo pelo menos uns três ou quatro por dia. Sinto que meu organismo agradece por isso e me sinto bem com minhas regularidades e bons funcionamentos. A consequência é que vou bastante ao banheiro, nada que me incomode - e juro a vocês, agora refletindo bem, que faço este trajeto de forma totalmente involuntária, sem nem perceber que o faço.
É simples – no meio de um prazo judicial, por mais curto que seja, sinto a fisgada que me pega firme e não me dá opção. Geralmente resisto à este primeiro aviso, mantenho a calma, até que ir ao banheiro se torna uma ordem, nenhuma escolha possível, pura necessidade. Depois de cinco anos trabalhando no mesmo local, os pés já se guiam sozinhos pelos caminhos de sempre, dentre eles o banheiro masculino. Guiados mais pela bexiga do que pelos sentidos, chego e faço tudo de forma automática e imediata.
Não penso!
Mijar é instinto, pura programação biológica; é o sentir, mesmo inconsciente,  que te faz acordar no meio da noite para ir procurar o vaso, por mais pesado que seja o sono. E jogue a primeira pedra quem nunca levantou no meio do escuro do quarto, o caminho que surge na mente de forma natural e te leva até onde precisa ir... Fazer xixi quase dormindo, ainda envolvido pelo sono ou pelos sonhos e voltar para a cama...

Ontem foi assim: a primeira fisgada, logo depois seguida da fisgada forte, a urina que segurava para tentar adiantar alguma obrigação. Mas então chega o ponto em que não há mais opção, somente necessidade – e assim fui ao banheiro já segurando pequenas e discretas contorções de dor que insistiam em se manifestar. O banheiro estava ocupado. E como só restava esperar, voltei à minha mesa já sentindo a fisgada se tornando cada vez mais uma dor sentida no fundo na alma.
O ar condicionado em final de tarde chuvosa de Belém pode beirar um frio devastador com a bexiga cheia – o líquido que esfria mais rápido do que o corpo e regela as entranhas - e o banheiro ainda estava ocupado. Então comecei a sentir frio, além da dor que já me pegava forte no abdômen, mais a impaciência da espera...
Nova tentativa, banheiro ainda ocupado e a dor me fazendo contorcer a já quase não poder esconder. Doía. Pensei em buscar o banheiro de outro setor, descer as escadas ou esperar o elevador... Tanta aporrinhação, pensei, ainda mais no limite do auto controle... Impaciência! E nem adiantava voltar à mesa, pois o que sentia me impedia de qualquer concentração, a total impossibilidade de fazer algo resumida em pequenos espasmos dolorosos, último aviso da urina que, agora, já era ordem dura, coisa urgente.
Na terceira tentativa, já no limite das forças, dei com a porta aberta e mijei – ato meio estabanado e corrido, nada parecido com a usual calma para não fazer besteira e nem sujeiras – e nos, homens, somos craques em fazer besteiras e sujeiras com nossas coisas mal ajambradas e sem mira certa...
Fiz o que precisava fazer e senti o arrepio de alívio me invadir o corpo, uma onda que veio subindo pelos braços e pelas costas, os pelos que se arrepiavam tal qual onda de torcida em estádio de futebol, a liberação de todo o corpo que estava teso, rijo!

Uma vez li que urinar pode ser melhor do que sexo em certos casos – e somente quem esteve apertado pode ter essa certeza. E quem nunca esteve apertado ao ponto de entregar tudo nas mãos do destino, ao ponto de pensar um sonoro “paciência!” de entrega às consequências de fazer nas calças, a nítida impressão de que a barriga poderia explodir, tudo comprimido de forma injusta pela bexiga cheia?

Ontem, quando pude me aliviar... Ontem, quando pude agir de forma automática e me livrar da dor, das fisgadas e das convulsões que me balançavam o corpo dolorido... Ontem, depois de tudo isto, tentei imaginar o que deve estar sentindo o Lucas...
Se eu, um adulto de quase 35 anos, no auge de minhas capacidades e funções, com todos os meus sentidos a me proteger do que for, quase sucumbo diante da urgência e da premência em me aliviar...
O Lucas ainda está na barriga, no sexto mês de sua gestação, e foi quase aí que seus pais, Thaynara e Estevão, descobriram que seus rins não estão funcionando.
O Lucas está incapacitado de urinar dentro da barriga!
Não é um mero aperto bobo igual ao meu, uma espera de meros 30 minutos. É um aperto extremo que já dura semanas - e quem sabe desde quando vem durando? – e quem sabe o quanto esse menino, um forte menino, sem dúvida alguma, vem agüentado?
Juro que senti vergonha... O homenzarrão aqui sentindo dores e reclamando da vida enquanto ele, pequenino, completamente indefeso no ventre, agüenta tudo firmemente! Para quem ainda não sabe, a urina do Lucas vem sendo retirada por meio de punção, uma sonda que perfura a barriga da mãe, que segue perfurando a barriga do moleque e que, por fim, perfura a minúscula bexiga e faz o que é necessário!
A coisa é tão grave que os rins já estão feridos, assim como está ferida a bexiga, tudo isso pelo mal funcionamento do sistema urinário que, por alguma razão, nunca saberemos, se recusa a fazer o que deve - mas ele está lá, firme e forte...
Acham que ele se entrega? Claro que não...
O caso é que o Lucas ainda não sabe que, nesta vida, existe a possibilidade de se entregar, a possibilidade de dizer desisto. Para ele, dentro da barriga da mãe, só existe uma possibilidade: SOBREVIVER! Lutar e sobreviver. Tentar nascer.
O Lucas é forte, segue aguentando tudo e, mesmo na maior das adversidades possíveis, sobrevive, luta e cresce!
E do que reclamamos mesmo?
O Lucas vai nascer, eu tenho certeza!
Um moleque forte que nem ele, um menino que mesmo sendo o mais indefeso dos seres vai aguentando firmemente tudo isso? Vai nascer sim!

Por favor, eu peço: você que chegou até aqui, que teve paciência de me aturar até aqui... AJUDE! Ajude como puder, nem que seja rezando, torcendo, telefonando e mostrando que somos todos irmãos e devemos nos ajudar sempre.
Isso é solidariedade, mas, antes de tudo, também é ser humano!
E fazemos a nossa parte aqui fora, dando ao menos uma chance ao Lucas de nascer e lutar aqui neste mundo.
Como eu sempre digo: ninguém pode dar certeza de que ele vai sair dessa, de que ele vai sobreviver - mas por tudo que ele já é e nos mostra, merece ao menos tentar.

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