sexta-feira, 26 de abril de 2013

Sobre a PEC 33 de 2011


Antes de entrar no cerne da questão, a discussão sobre a PEC 33 de 2011, creio que alguns pontos devem ficar bem explicados:
Primeiro, não sou imprensa golpista, muito menos sou membro da grande imprensa. Isso aqui é um blog pessoal que mal chega a 100 leitores por dia, mantido de acordo com minha preguiça e tempo escasso.
Segundo, não sou petista, muito menos sou psdebista. Na verdade, apesar de ter minhas convicções políticas, faço questão de deixá-las distante das agremiações partidária, justamente por achar que, faz tempo, tais grupos deixaram de pensar de forma coletiva, existindo supremacia de diversos interesses pessoais.
Terceiro, não pretendo demonizar um partido, muito menos determinar um culpado e pedir qualquer forma de condenação. O que pretendo, mesmo sabendo que dificilmente conseguirei, é promover debate sobre a questão – debate saudável, educado e inteligente.

***
A PEC 33 de 2011 foi proposta por um petista do Piauí, sendo que 79 parlamentares do Partido dos Trabalhadores assinaram lhe dando apoio. No total, a proposta recebeu 219 assinaturas favoráveis, o que, num cálculo simples, nos leva à informação de que 140 deputados de outros partidos também assinaram apoiando-a. E não falo somente de partidos da base aliada, como PMDB, com 23 assinaturas, mas também de partidos que, historicamente, são contrários ao PT – PSDB, com 21 assinaturas, e DEM, com 18 assinaturas. Entre socialistas e comunistas foram 26 assinaturas divididas entre PC do B, PSOL, PSB e PPS. Praticamente todos os partidos assinaram em apoio à PEC 33 de 2011, sejam de situação ou de oposição, o que me leva a uma reflexão muito simples: a PEC 33 de 2011 não é de um partido, mas sim da classe política, que em muito se beneficia com o precedente que, agora, se pretende abrir.

Outro dado importante e que não pode ser esquecido: um dos relatores da PEC 33 de 2011 é deputado federal pelo PSDB de Goiás – e ele se demonstrou completamente favorável aos termos assustadores do texto.

Por mais que não se aprecie um partido político, temos que ser justos e concordar com sua importância, qual ela seja. Ninguém pode, por exemplo, negar a importância do PT ou do PSDB, nem do DEM ou do PC do B. O que falar então do PMDB, fundamental à volta da democracia no Brasil? Por mais que não consigamos ver bons exemplos em determinada agremiação política, o simples fato de que existam significa que vivemos em uma democracia! - a mesma democracia que permite, por meio de voto universal e secreto, que um Partido dos Trabalhadores se mantenha na chefia do Poder Executivo desde janeiro de 2003.

E sobre o Partido dos Trabalhadores, vou contar dois casos rápidos:
1º caso - Na 1ª eleição direta para Presidente da República, pós ditadura, em 1989, eu tinha 11 anos e nem sabia o que se passava no Brasil. Como minha mãe declarava voto em Lula, eu, criança, acabava acompanhando-a. Um dia, na casa de um amigo de colégio tomando banho de piscina, não sei por qual razão resolvi gritar “Lu Lala, Brilha uma estrela!” Quase que imediatamente, a mãe do meu colega veio correndo, olhos vermelhos de raiva, perguntando quem tinha gritado aquilo. Eu respondi que havia sido eu, e então levei uma grande bronca. Em resumo, ela disse que eu não tinha autorização para falar ‘aquilo’ na casa dela, que aquele homem era um bandido. Muito braba, determinou o fim do banho de piscina, colocou o filho de castigo e ligou para que minha mãe fosse me apanhar.
2º caso - Não foram poucas as pessoas que, de forma aberta, declararam intenção de sair do Brasil caso Lula fosse eleito em 2002. Alegavam a insegurança que resultaria de um presidente do PT, que ricos seria caçados e que o Brasil entraria nas trevas.

De certa forma, ainda é a ideia que muitos têm do PT e dos petistas, o mesmo PT e petistas que, desde 2003, ocupam a chefia do Poder Executivo federal – além de diversos cargos de governador, prefeito, vereadores, deputados estaduais, federais e senadores.

Isso é possível porque vivemos em uma democracia!, porque temos Poderes independentes e fortes, com atuações definidas de forma clara em uma Constituição elaborada por representantes do povo! Viver em uma democracia significa que o governante de hoje pode não ter sido escolhido por mim, mas não há dúvidas de que tem o direito constitucional de estar ali.

E Democracia só funciona se a Constituição for respeitada, e se os Poderes foram independentes, justamente o que, creio, deixará de ocorrer caso a PEC 33 de 2011 seja aprovada.

Vejam um dos pontos propostos – o artigo 3º da PEC 33 de 2011 propõe que se mude o art. 102 da Constituição Federal, que passaria a ter a seguinte redação:

Art. 102. ...
...
§ 2º-A As decisões definitivas de mérito proferidas pelo Supremo Tribunal Federal nas ações diretas de inconstitucionalidade que declarem a inconstitucionalidade material de emendas à Constituição Federal não produzem imediato efeito vinculante e eficácia contra todos, e serão encaminhadas à apreciação do Congresso Nacional que, manifestando-se contrariamente à decisão judicial, deverá submeter a controvérsia à consulta popular.

Agora, somente a título de comparação, leiam o art. 96 da Constituição brasileira de 1937:

No caso de ser declarada a inconstitucionalidade de uma lei que, a juízo do Presidente da República, seja necessária ao bem-estar do povo, à promoção ou defesa de interesse nacional de alta monta, poderá o Presidente da República submetê-la novamente ao exame do Parlamento: se este a confirmar por dois terços de votos em cada uma das Câmaras, ficará sem efeito a decisão do Tribunal.

A polaca
Vocês lembram dessa malfadada Constituição de 1937? Poucos aqui devem tê-la vivido, mas ao menos devem ter estudado no colégio: Constituição de 1937, a Polaca, outorgada pelo presidente/ditador Getúlio Vargas em 10 de novembro, mesmo dia em que foi implantada a ditadura do Estado Novo. Ela foi redigida pelo ministro da Justiça de Vargas, o Sr. Francisco Campos, e aprovada de forma prévia por Vargas e pelo seu ministro da Guerra, Eurico Dutra.

Ou seja: a intervenção de outro Poder nas atribuições do Supremo não é novidade. Já tivemos algo bem parecido, e, com tristeza, comprovo que isso aconteceu durante uma das mais tristes situações para o Brasil – durante uma ditadura de cunho fascista que massacrou opositores, torturou e matou quem fosse contra – tudo isso sem que houvesse uma única voz capaz de calar tantos crimes.

O STF é essa voz, principalmente pelo fato de ser, de acordo com a vontade do constituinte originário de 1988, o Guardião da Constituição. Num velho jargão jurídico, dizemos que ”a Constituição é aquilo que o Supremo diz que ela é.” O STF, que comanda o Poder judiciário brasileiro, deve então ser totalmente independente - e não pode sofrer qualquer turbação em suas funções: é isso que garante que eu possa escrever este texto, que jornais sejam publicados amanhã - e que o PT continue elegendo um presidente da República, enquanto assim desejar o povo.

Não creio que tenha capacidade técnica para afirmar que os Ministros do STF erram!

Posso não concordar com algumas decisões da Corte, e isso ocorre com certa frequência. Posso achar que, em determinados momentos, Ministros do STF julgam mais com coração do que com técnica. Posso achar que os Ministros do STF, certas vezes, por viver em um mundo idílico, acabam decidindo em desacordo com a sociedade! Posso até ver traços de arrogância em alguns deles, que acabam se fantasiando de pavões no momento do julgamento.

Tudo isso são possibilidades - mas prefiro mil vezes essas possibilidades, e um Judiciário plenamente independente, do que regras que pretendam evitar tais interferências, mas que resultem em um Judiciário fraco e engessado.

No mais, venhamos e convenhamos: qual o agente político que consegue agir totalmente apartado de suas emoções e vontades? Lembrem que agentes públicos ou políticos são, antes de qualquer coisa, humanos – passíveis de erros e paixões. E se o problema é a boçalidade dos semi-deuses do STF, que dizer da igualmente assustadora boçalidade de Ministros de Estado e Parlamentares que, achando-se sobre-humanos, entendem por bem evitar regras aplicadas ao demais mortais (impagável a frase da filha do atual Governador do Estado, quando teve que evacuar seu apartamento, vitimado por graves rachaduras: “se acontece isso comigo, imagina o que não acontece com as pessoas normais” – não lembro exatamente do comentário, escrevi algo aproximado. Se alguém lembrar da frase exata, me informe).

O próprio Congresso está repleto de interesses e vontades que, muitas vezes, acabam por gerar leis bem pouco técnicas, baseadas mais na emoção do que na razão – e leis que, diga-se de passagem, influenciam diretamente nas nossas vidas. O mesmo acontece no Poder Executivo. Obvio que isso não representa a maioria dos atos, eis que felizmente ainda predomina a excelência profissional da maioria.

A mim, isso não importa – prefiro decisões eivadas das falhas de humanidade do que a ausência de decisões independentes.

Também acho inexpressíveis comparações entre o sistema de controle constitucional brasileiro e de demais países. Vi duas comparações: com o Canada e com a França. Pois bem, primeiro ponto – o Brasil não é Canada e nem França. Nosso sistema de controle de constitucionalidade é único, funciona muito bem e serve de exemplo para diversos outros países ao redor do mundo. Essa foi a escolha do constituinte originário de 1988, e isso deve ser respeitado! Segundo ponto – o sistema penal canadense e francês funcionam de forma exemplar, principalmente no que se refere a crimes cometidos por políticos. Qualquer político que ouse cometer algum crime, seja crime comum, seja crime ligado à sua atividade política, amargará longo período preso – e nada é mais justo. Durante algum tempo tive o possibilidade de morar na França – e não raramente vi políticos serem presos após julgamentos justos e públicos. Lá, é a prática. Aqui, exceção! Segundo o site do Congresso em Foco, 191 parlamentares (160 deputados e 31 senadores) são alvos de 446 inquéritos e ações penais no STF. Quase 40% dos 81 senadores têm contas a acertar com o Supremo. São justamente aqueles que a população escolheu para legislar em seu nome, os que deveriam ser, à sociedade, exemplos de boa conduta. Crimes que vão desde o crime político, como as sempre presentes acusação de desvio ou mau uso de dinheiro público, até acusações de homicídio, sequestro e associação ao tráfico de drogas

E “se o cenário hoje não é animador, acredite, já foi bem pior. Até 2001, o Supremo precisava da autorização da Câmara e do Senado para começar a investigar deputados e senadores. Na prática, o mandato era um salvo-conduto para a total impunidade. Desde que foi promulgada a Constituição em vigor, o Supremo levou 22 anos para impor a primeira condenação a políticos, em 2010.” Os paraenses têm, inclusive, um bom motivo para se envergonhar: dos seis políticos já condenados à prisão pelo STF, um ainda é Deputado federal eleito pelo voto popular - Asdrubal Bentes, do PMDB, condenado a três anos, um mês e dez dias de prisão por promover laqueaduras de trompas de forma indiscriminada em eleitoras (e obteve 87.681 votos em 2010). Asdrubal permanece solto, e deputado.

Sinceramente, é esse o Congresso que vai rever as decisões de inconstitucionalidade de Emendas à Constituição oriundas do STF?

E então, se o Congresso não concordar com a decisão do STF, vamos ao plebiscito - e lá vai mais dinheiro público em consultas populares que acabarão se tornando mais e mais frequentes. Quem lembra da quase guerra fratricida quando do plebiscito pela divisão do Pará? Feridas ainda estão abertas - e o Governador ainda tem receios de vaias e rejeição no sul do Pará. Pior de tudo: em um plebiscito, quem vai decidir não é a razão, mas sim a emoção - e quem tiver o melhor marqueteiro certamente vai ganhar. Aí você imagina na sua televisão as cenas de choro, extremamente emotivas, com músicas tocantes, tudo para decidir sobre maioridade penal, aborto, casamento de pessoas do mesmo sexo... 

Por fim, uma última história – um desabafo, na verdade. Um amigo do Ministério Público confidencia: aqui estamos abalados, levando porrada de todos os lados por conta da PEC 37 (que pretende restringir o poder de investigação do MP). E quando menos esperamos, surge uma PEC batendo no STF!? Porra, cara! Se os políticos acham que podem tirar a decisão final de inconstitucionalidade do STF, imagina o que não acham que podem com o juiz lá do fim do mundo!?

Por enquanto, deixando de lado o tecnicismo legal e o juridiquês, é o que tenho a falar. A questão deve ser discutida, deve ser colocada na mesa de forma imparcial e sem acusações mútuas, dignas da pior imprensa e do pior debate. 

quinta-feira, 25 de abril de 2013

Disco da Semana #1 - Grande Liquidação, Tom Zé

Como havia combinado, começo hoje a postagem dos discos da semana, alguns dos melhores pinçados da nossa coleção de LPs. 

Para melhorar as coisas, as faixas vão estar disponibilizadas aqui, mas vou gravar de forma contínua os lados A e B - para dar uma nítida ideia do que é escutar um LP àqueles que não tiveram essa oportunidade.
Com 76 anos Tom Zé agita a cenário musical
brasileiro - e coloca muito moleque no chinelo
Para começar, escolhi essa pérola da MPB, o LP Grande Liquidação, primeiro disco do Tom Zé, gravado em 1968 pela Fábrica de Disco Rozenblit LTDa de Recife, PE.

A curiosidade deste LP é que foi o disco n.º 83 da coleção dos meus pais, comprado em 13/12/1968 no Rio de Janeiro. A última faixa do Lado A, Camelô, foi intensamente presente na nossa infância, pois era uma das que mamãe cantava enquanto nos fazia dormir na rede - reparem na letra e riam da graça que é essa música.
Capa
No seu album de estreia, Tom Zé escreveu:
Somos um povo infeliz, bombardeado pela felicidade.
O sorriso deve ser muito velho, apenas ganhou novas atribuições.
Hoje, industrializado, procurado, fotografado, caro (às vezes), o sorriso vende. Vende creme dental, passagens, analgésicos, fraldas, etc.
E como a realidade sempre se confundiu com os gestos, a televisão prova diàriamente que ninguém mais pode ser infeliz.
Entretanto, quando os sorrisos descuidam, os noticiários mostram muita miséria.
Enfim, somos um povo infeliz, bombardeado pela felicidade. (As vezes por outras coisas também).
É que o cordeiro de Deus convive com os pecados do mundo. E até já ganhou uma condecoração.
Resta o catecismo, e nós todos perdidos.
Os inocentes ainda não descobriram que se conseguiu apaziguar Cristo com os previlégios.
(Naturalmente Cristo não foi consultado).
Adormecemos em berço esplêndido e acordamos cremedentalizados, tergalizados, yêyêlizados, sambatizados e miss-ificados pela nossa própria máquina deteriorada de pensar.
"- Você é compositor de música "jovem" ou de música "Brasileira"?
A alternativa é falsa para quem não aceita a juventude contraposta à brasilidade. (Não interessa a conotação que emprestam à primeira palavra).
Eu sou a fúria quatrocentona de uma decadência perfumada com boas maneiras e não quero amarrar minha obra num passado de laço de fita com boemias seresteiras.
Pois é que quando abri os olhos e vi, tive muito medo: pensei que todos iriam corar de vergonha, numa danação dilacerante. Qual nada. A hipocrisia (é com z?) já havia atingido a indiferença divina da anastesia...
E assistindo a tudo da sacada dos palacete, o espelho mentiroso de mil olhos de múmias embalsamadas, que procurava retratar-me como um deliquente.
Aqui, nesta sobremesa de preto pastel recheado com versos musicados e venenosos, eu lhes devolvo a imagem. Providenciem escudos, bandeiras, tranquilizantes, antiácidos, antifiséticos e reguladores intestinais. Amem.
TOM ZÉ
P.S.
Nobili, Bernardo, Corisco, João Araújo, Shapiro, Satoru, Gauss, Os Versáteis, Os Brazões, Guilherme Araújo, O Quartetão, Sandino e Cozzela (todos de avental) fizeram este pastel comigo. A sociedade vai ter uma dor de barriga moral.
O mesmo
Contracapa
Na Face A, as seguintes músicas:
1. São São Paulo (Tom Zé) - 3'29
2. Curso Intensivo de Boas Maneiras (Tom Zé) - 2'58
3. Glória (Tom Zé) - 3'20
4. Namorinho de Portão (Tom Zé) - 2'35
5. Catecismo, Creme Dental e Eu (Tom Zé) - 2'44
6. Camelô (Tom Zé) - 2'15

Na Face B:
1. Não Buzine que eu Estou Paquerando
    (Rancho e etc - Hino da L.B.A.P)
    (Tom Zé) - 2'39
2. Profissão de Ladrão (Tom Zé) - 2'35
3. Sem entrada e Sem Mais Nada (Tom Zé) - 2'40
4. Parque Industrial (Tom Zé) - 3'16
5. Quero Sambar Meu Bem (Tom Zé) - 3'50
6. Sabor de Burrice (Tom Zé) - 4'18



Ficha Técnica:
Produtor - João Araújo
Assistente - Shapiro
Arranjos - Damiano Cozzela
               - Sandino Hohagen
Técnicos de gravação - Gauss/Reinaldo
Estúdio - Gazeta - São Paulo
Layout da capa e fotos Officina Programação Visual - SP
Participação Especial: Os Versáteis - faixas 2-4-5-6 lado A
                                                                     3-4-6 lado B
                                    Os Brazões - faixas 1 e 3 lado A 

Hoje ganhei um mimo

Faz um tempo tenho um desejo público: ter nas minhas paredes a arte do artista plástico paraense Junior Lopes. Morando em São Paulo faz algum tempo, Junior Lopes é um artista fabuloso. Seja como ilustrador, seja com seus retratos feitos com retalhos de pano - técnica que ele mesmo desenvolveu - Júnior Lopes faz sucesso dentro e fora do Brasil - o G1 chama ele de Mestre das Caricaturas em Retalhos (e para não falar muito, leiam aqui e vejam abaixo).
Paulinho da Viola
Steve Wonder
Beatles
Frida 
Amy
Campanha para a marca de jeans Levi's
Caetano Veloso
Elvis, the pelvis
Renato Russo
Pois bem, um desses meus comentário foi lido pelo Júnior, que resolveu me oferecer um mimo lindo, de beleza indescritível e que verdadeiramente me emocionou.

Logo depois que Letícia nasceu, em dezembro de 2012, ainda no hospital, eu fiz essa foto com o celular - postada no Instagram:
O Júnior Lopes viu a foto, se sentiu tocado pelo momento registrado e agora, quatro meses depois, decidiu me presentear com esse verdadeiro tesouro:
Júnior, no momento da entrega da nossa colagem:
ele está em Belém para participar de diversos eventos - cursos,
oficinas, palestras e Feira do Livro.
Finalmente realizo um antigo desejo: ter uma pequena amostra da arte do Júnior Lopes nas minhas paredes - eu só não esperava que fosse um verdadeiro tesouro. Que honra!

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Antónia se foi esta noite


Nando, a Antónia se foi esta noite. 
Sabem  o que é a saúde pública no Brasil? Um matadouro. Sangram as pessoas até não poder mais, até que não tenham mais forças para suportar tanto sofrimento e pronto. Resolvida a questão.
É assim que resolvemos as coisas por aqui.

O sistema público de saúde do Brasil é um dos mais bonitos do mundo, ao menos no papel (basta dar uma lida na Constituição). Na vida real, na dor real, pessoas são tratadas como móveis, tudo arrumado de acordo com a vontade e disposição de quem as recebe. É uma inversão de valores absurda: o sistema deveria se adequar às necessidades, não as necessidades se adequarem ao sistema.
Todos que usam o sistema público de saúde têm que se adaptar à agenda apertada dos médicos e seus atrasos, os prazos sempre longos de nunca ter data disponível para o que seja!

Antónia se descobriu com câncer no seio. Como era pobre, procurou atendimento em hospital de ponta de Belém, mas hospital público. Minha mãe ajudou no que podia: “pelo SUS só vai ter data para exame no mês que vem”, então minha mãe ia e pagava o exame; “não tem data para consulta com oncologista”, ou nem tem oncologista, então minha mãe ia e pagava a consulta particular com oncologista. E assim fomos caminhando, tudo tão difícil, tudo tão complicado.
No hospital de ponta nada parecia funcionar. A triagem dos casos era feita, olhem só, por uma assistente social, não por um médico. Assistente social fazendo exame clínico e verificando quem deveria viver ou morrer, ainda mais diante de míseros quatro leitos disponíveis.

Nos revoltamos com tudo que não funcionava e fomos para o ataque: pegamos no pé do Ministério Público, que prontamente entrou com uma Ação Civil Pública pedindo informações sobre as denúncias - e instando o judiciário a fazer o sistema funcionar. Minha mãe, que regularmente escreve no jornal O Liberal, fez duro artigo sobre o drama – e olhem como se faz uma mágica: artigo publicado no domingo, seguido de telefonema do hospital de ponta na segunda-feira informando que Antónia deveria comparecer já na terça-feira, com documentos e o que mais fosse necessário para sua internação, pois iria ser operada na quarta-feira seguinte. Do nada tudo ficou célere, tudo virou rapidez e eficiência. 

Antónia foi operada na quarta-feira, mas morreu. Já estava tão fraca, tão cansada de tudo, das humilhações diárias nas filas do hospital, do menosprezo de pessoa que viam seu seio inchado, enorme, e diziam que não era nada – as mesmas pessoas que diziam haver outros em situação pior, que ela deixasse de frescura - que simplesmente não aguentou a operação.
A palavra “câncer” é oriunda do latim câncer, “caranguejo”. Uma referência à proliferação sorrateira e covarde de células cancerosas no organismo (metástase), tal qual o animal que se movimento nas profundezas da lama.
Sobre Antónia, que foi tratada como lixo, que morreu ontem no final da noite, vou ser breve porque Antónia foi muito e não cabe neste texto.
Chegou em casa grávida, tudo escondido, pois por conta da gravidez foi chutada da casa onde trabalhava anteriormente. Quando minha mãe e avó descobriram, ela chorou, implorou por piedade, e que precisava de um teto para o filho que ia nascer.
E aí surgem as ironias da vida: nós demos um simples teto, enquanto Antónia nos deu um novo sentido de família. Fizemos o enxoval dela, e foi minha mãe quem, num fusca verde e velho que tínhamos, acompanhou Antónia no dia que nasceu Luciana, na Santa Casa de Misericórdia. Minha mãe e avó se revezando na beira da cama ajudando no que fosse, enquanto eu e meu irmão esperávamos em casa, ansiosos por receber aquela que considero uma irmã. Luciana cresceu conosco e fomos muito felizes em brincadeiras mil – e hoje Luciana é advogada, formada e concursada, indo contra pessoas que ousaram dizer “desiste disso, Luciana. Filha de empregada não vira doutora”. 
Antónia não gostou de ouvir isso: trabalhou dois turnos, as vezes três turnos, tudo para pagar livros e cursos para a filha. Muitas vezes dormia menos de três horas por noite, tudo para oferecer o melhor para a filha – e eram só as duas.  Ela nunca saiu de perto da gente, mesmo quando minha mãe deu a ela uma casa – e meus filhos têm verdadeira adoração por ela, assim como ela tinha por eles.
Antónia não cabe aqui, então paro aqui.

E que tenham força para lutar, e que consigam esperar, aqueles que não têm voz e que não são enxergados pelo Ministério Público, e que ficam à mercê do julgamento de uma assistente social para saber se terão chances ou não de sobreviver.

O que se fez do Brasil?
O que se fez do sistema de saúde pública do Brasil que deixa que se matem brasileiros?
Cada um deles, cada um desses invisíveis, é toda a importância do mundo para alguém.
Antónia morreu na UTI do hospital de ponta somente por causa do artigo de domingo. Se não fosse por isso, ainda estaria esperando, acompanhando o crescimento a olhos vistos do tumor que já nem a permitia respirar direito.
Antónia era amada e era querida, era o nosso chão.
Perdemos nosso chão.

segunda-feira, 15 de abril de 2013

Tive uma ideia?

Geralmente faço curtas resenhas sobre os discos que temos aqui, mas tudo no Instagram. Resolvi fazê-las aqui, disponibilizando as músicas para dauloudi. Que acham?

domingo, 14 de abril de 2013

2013 - Confissões de uma Ateu Budista

Confissões de um Ateu Budista, de Stephen Batchelor, Editora Pensamento, São Paulo, 2012, 352 páginas.

O título do livro é auto-explicativo: um jovem inglês, na ânsia de se descobrir, parte para o Oriente e conhece o budismo. Apaixonado pela filosofia que se apresenta, acaba virando monge e assim viva durante longos anos - até perceber que não concorda com vários pontos da doutrina de Buda. A partir desse momento, sem deixar de lado tudo que havia aprendido, parte em busca de saber quem foi realmente Buda, não a figura mítica apresentada no Cânone Pali, mas sim o personagem real e histórico que gerou verdadeira revolução que perdura até hoje.
Sempre estive certo da seguinte verdade: se religiões precisam de um Deus, o budismo não é religião - e se o budismo é religião, religiões não precisam de deuses. Apesar disso, da afirmação de que não há um Deus no budismo (e Buda não é um Deus, mas sim alguém que alcançou a iluminação - Buda = Despertado em sânscrito), é fato que existem diversas divindades, espíritos e seres que habitariam um outro mundo. Stephen Batchelor então mostra seu ceticismo em relação aos pontos mais místicos do budismo e, neste livro, mostra ser possível a existência de um ateu budista - no sentido daquele que não crê nesses pontos sobrenaturais.
Uma leitura prazerosa e calma, que exige do leitor muita atenção por conta das inúmeras referências históricas - em alguns pontos fiz até um esquema, acreditem, para facilitar a leitura.

Livro 1. 

sábado, 13 de abril de 2013

Téo e o mini mundo


Braço forte, mão amiga (mas primeiro os meus)

O lema do exército brasileiro beira a perfeição de marketing - Braço forte, mão amiga. 
Obvio que o exército é necessário. Lógico que o exército cumpre com ações essenciais para o Estado, muitas vezes chegando onde ninguém chega ou quer chegar. Claro que o exército é cheio de homens e mulheres admiráveis - em sua esmagadora maioria, diria - mas, como em todo o local, há aqueles que destoam sem fazer esforço.

Hoje acontece no Theatro da Paz a apresentação da banda marcial da 8ª Região Militar. Evento fechado para convidados, segundo informação constante no site da casa. Então chegam caminhões do Exército, por volta de 16 horas de hoje, colocam cones e barreiras na Rua da Paz, dos dois lados do Theatro, e acabou o que era público.
Rua fechada, ninguém entra sem autorização dos militares. Somente estacionam ali, na rua, no local público, os convidados do evento - ou quem queiram os milicos. 
Nem mesmo é permito o trânsito normal de veículos. Os moradores do Centro, quase todos os prédios sem garagem, que procurem um local mais distante para estacionar seus carros, se sujeitando a todos os riscos que a cidade sem segurança fartamente oferece. Enquanto isso, a polícia do exército presta ostensiva vigilância ao poucos convidados que, na maior parte do tempo, ficarão apreciando o show dentro do teatro.
Ou seja: chegaram os senhores, tomaram conta do que é deles, e quem quiser chorar que chore noutra freguesia, pois aqui está dominado.

E haja regalia! Braço forte, mão amiga (mas primeiro os meus).

Confissões de um Ateu Budista

"Sei de poucas coisas com absoluta certeza. sei que nasci, que existo e que vou morrer. Pela maior parte, posso confiar na interpretação que meu cérebro dá às impressões chegadas até ele por intermédio dos senidos: isto é uma rosa, aquilo é um carro, ela é minha esposa. Não ponho em dúvida a realidade dos pensamentos, emoções e impulsos que me ocorrem em resposta a essas coisas. Sei que, se há fumaça na chaminé, há um fogo que a produziu. E guardo na memória uma miscelânea de fatos e números: Borobodur localiza-se em Java; a água ferve a cem graus centígrados (no nível do mar). No entanto, afora essas percepções, intuições, inferências e informações primárias, minha visão das coisas que realmente importam - significado, verdade, felicidade, bondade, beleza - são uma trama muito sutil de crenças e opiniões. Essa visão me permite encarar os problemas do cotidiano, mas não resistiria ao escrutínio de alguém que não a adotasse. Dependendo do quão crucial ela seja para minha integridade e credibilidade, estou pronto a defendê-la com mais vigor e paixão do que a qualquer outra. Vou ao sabor da vida, flutuando numa maré de crenças derivativas vigentes em minha cultura."

in Confissões de um Ateu Budista, Stephen Batchelor.

quarta-feira, 10 de abril de 2013

O juiz


É inerente ao ser humano reclamar!
Reclamamos por tudo, nisso somos campeões, e de forma bem injusta não somos os melhores quando a questão é elogiar. Eu tenho meus alvos preferidos de reclamações: o trânsito de Belém, a grosseria humana, a pretensa perfeição dos seres e, ainda, o Tribunal de Justiça do Estado do Pará.
Entendam: advogado que sou, faço audiências por todo o Estado e me deparo, vez ou outra, com situações bem desagradáveis. A audiência que demora. A audiência remarcada sem que avisem às partes. Informações desencontradas. Falta de informações. Falta de vontade. Grosserias e pouco caso de servidores.
Hoje, tentando quebrar esse círculo vicioso de somente criticar, sem nunca ver um lado bom nas coisas, farei algo diferente: vou elogiar!

Fui escalado para uma audiência designada para segunda-feira, 10 horas da manhã, na comarca de Ananindeua, 1ª Vara Cível. Imaginem os pensamentos aqui na minha cabeça: segunda-feira, logo ela, a lembrança amarga do final de semana que ficou para trás, e ainda em Ananindeua, horário relativamente cedo se considerarmos a distancia e o trânsito. Para piorar, audiência em vara cível marcada para o meio da manhã, que provavelmente não seria a primeira e, invariavelmente, começaria atrasada. Me preparei para sair de casa por volta de 7 horas da manhã, e para não estar liberado antes de 15 horas, um dia de minha vida perdido pela burocracia do Tribunal.
Fiz como planejei: sai de casa 7:20 e cheguei no fórum perto de 9 horas. Chegar cedo também era necessário, pois o fórum de Ananindeua foi completamente reformado e não gostaria de chegar na hora justa, o risco sempre presente de me perder em ruas e corredores que não conheço bem.
Para minha surpresa, no fórum moderno e bonito que se ergueu ali, havia vagas de estacionamento disponíveis para advogados! Coisa boa que já mudou meu humor. Talvez acabasse nem sendo tão ruim assim, né?, pensei.
Depois de localizar meu preposto, nos dirigimos à 1ª Vara para dar uma verificada nos documentos do processo (processo antigo, de 2006).

Começa que tudo muda quando há educação: servidores gentis e sorridentes ofereceram logo uma cadeira para sentar enquanto folheávamos os autos. Depois, para minha surpresa, fui informado de que estava chegando a hora da audiência, que eram pontuais ali. Se quisesse, poderia mesmo ir me instalando na sala de audiência e me preparar.
Fizemos assim.
Partes já instaladas, adentra na sala o juiz António Jairo de Oliveira Cordeiro, a quem, antes de conhecer como juiz, conhecia por fatos que, infelizmente, acontecem com pessoas boas: em uma noite de Agosto de 2004, Antônio Jairo foi vítima de uma assalto em Belém, no bairro do Umarizal. Covardemente baleado pelos assaltantes, ficou tetraplégico no auge da sua vida profissional, com 33 anos de idade. Com isso “foi obrigado a afastar-se do trabalho para buscar tratamento e reabilitação. Buscou a Rede Sarah, em Brasília, e lá aprendeu a movimentar-se de uma nova maneira ‘sobre rodas’, adquiriu novas capacidades e, finalmente, descobriu novos recursos tecnológicos para voltar a trabalhar e produzir” (lei mais aqui - saci.org).
Quando tentou voltar ao trabalho, mais porrada: mesmo com um laudo formulado por equipe multidisciplinar (composta por neurologistas e fisiastras) de que tinha preservadas suas funções cognitivas e intelectuais, foi aposentado por invalidez por meio de decisão administrativa do Pleno do Tribunal (13 desembargadores contra 11). O motivo? As restrições físicas de sua deficiência e os custos elevados para as adaptações necessárias.
Percebo que existe um descompasso entre o poder público e a sociedade”, disse o juiz na ocasião. “Enquanto o Estado impõe às empresas privadas cotas de contratações, reformas para acesso e penalizações quando do não cumprimento das leis, esse mesmo Estado parece não assumir tais compromissos.
O juiz pediu reconsideração da decisão e, desta vez com o apoio da Associação dos Magistrados do Pará, conseguiu convencer os desembargadores de sua plena capacidade e reverteu a aposentadoria (17 votos favoráveis ao seu retorno). “A sensação que tenho é de estar ingressando agora na magistratura. Vou começar do zero, em uma outra realidade”, disse o juiz. Realocado para a comarca de Ananindeua, declarou: “Farei o possível e o impossível para ultrapassar o número mínimo de produção, que corresponde a 20 audiências e 30 sentenças por mês. Quero disputar promoções na carreira de igual para igual com meus pares.
Foi esse juiz que encontrei naquela manhã de abril, em uma audiência que maldizia ter que fazer. No final, agradeci por ter estado ali e aprendido um pouco mais sobre a vida e como devemos encará-la.
Começa que a audiência foi conduzida com a maior serenidade e educação por uma pessoa que se revelou cuidadosa no que faz. São poucos os magistrados que aceitam instruir um processo por tanto tempo, escutando partes, inquirindo testemunhas e analisando provas como fez aquele juiz. Isso tudo com limitações de movimento e todos inconvenientes que decorrem da tetraplegia. Durante quase três horas nos deparamos com um homem educado, que realmente fazia esforço para entender o litígio e, assim, poder resolvê-lo da forma mais justa.
E mais: estávamos tratando de produto bancário, coisa cheia de cálculos, juros e termos estranhos, coisa chata mesmo, que acaba virando barreira aos que seguem o rumo do direito. Mesmo com toda a complexidade que a causa apresentava – complexidade que também me atingia, e acho que a todos, menos à gerente do Banco que me acompanhava - ele seguiu firme no afã de entender tudo, de não deixar passar nada.
Como não podia digitar, o juiz contava com uma pessoa que, usando dois monitores, lhe mostrava em tempo real o termo de audiência. Diante de erros, pacientemente explicava o que deveria ser corrigido sem nunca levantar a voz um tom que fosse.
Em determinado momento meu celular vibrou: era meu chefe, que por sms pedia que verificasse uma ação de interesse do Banco. Sem deixar sua educação de lado, o juiz me pediu que não utilizasse o telefone na sala de audiências - e aí poderia ter encerrado a reprimenda. Ele fez diferente: “Doutor, vou lhe explicar a razão do meu pedido. Tive um problema sério aqui na vara com um advogado que utilizava o celular para vazar informações da audiência. Somente por isso.” Mesmo que eu estivesse errado e ele certo, mesmo que ele pudesse me ordenar que desligasse o celular, preferiu mostrar que não se tratava de decisão descabida e sem sentido, e nisso demonstrou grandeza.
Em outro momento, quando surgiu dúvida sobre determinada situação que envolvia conhecimento jurídico, demonstrou mais uma qualidade: humildade. Se dirigindo a mim, disse de forma franca: “Doutor, eu posso estar deixando passar alguma coisa, acho que existe algo neste sentido no Direito do Trabalho. Vou pesquisar e tirar essa dúvida. Verifique também.” Entendam: juízes, em sua grande maioria, não gostam de demonstrar que desconhecem algo, evitam a todo o custo descer de seu pedestal. Comumente há a névoa do conhecimento completo que os acompanha. Encontrar um juiz que admite a possibilidade de não saber algo, ou que afirma que vai estudar e pesquisar é, no mínimo, algo novo para mim.
Isso tudo feito sem qualquer demonstração de cansaço ou chateação, sem nenhum pingo de impaciência ou grosseria. Durante essas quase três horas discutimos e conversamos francamente, assumimos ter dúvidas sobre determinados pontos, mas também rimos e conversamos amenidades. Todos ali, presos ao compromisso comum da audiência.
No final, lido o termo e sem grandes firulas, se retirou da sala com um alegre cumprimento: “Senhores, me dêem licença e tenham um bom dia”, e partiu para mais uma audiência (isso já perto de uma da tarde, a fome e sede já apertando o ventre).
Sai e ele ficou lá, sem nenhuma pausa, trabalhando para bater suas metas e disputar de igual para igual com seus pares. Sem dúvida a disputa vai ser desigual. Não para ele.