sexta-feira, 26 de abril de 2013

Sobre a PEC 33 de 2011


Antes de entrar no cerne da questão, a discussão sobre a PEC 33 de 2011, creio que alguns pontos devem ficar bem explicados:
Primeiro, não sou imprensa golpista, muito menos sou membro da grande imprensa. Isso aqui é um blog pessoal que mal chega a 100 leitores por dia, mantido de acordo com minha preguiça e tempo escasso.
Segundo, não sou petista, muito menos sou psdebista. Na verdade, apesar de ter minhas convicções políticas, faço questão de deixá-las distante das agremiações partidária, justamente por achar que, faz tempo, tais grupos deixaram de pensar de forma coletiva, existindo supremacia de diversos interesses pessoais.
Terceiro, não pretendo demonizar um partido, muito menos determinar um culpado e pedir qualquer forma de condenação. O que pretendo, mesmo sabendo que dificilmente conseguirei, é promover debate sobre a questão – debate saudável, educado e inteligente.

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A PEC 33 de 2011 foi proposta por um petista do Piauí, sendo que 79 parlamentares do Partido dos Trabalhadores assinaram lhe dando apoio. No total, a proposta recebeu 219 assinaturas favoráveis, o que, num cálculo simples, nos leva à informação de que 140 deputados de outros partidos também assinaram apoiando-a. E não falo somente de partidos da base aliada, como PMDB, com 23 assinaturas, mas também de partidos que, historicamente, são contrários ao PT – PSDB, com 21 assinaturas, e DEM, com 18 assinaturas. Entre socialistas e comunistas foram 26 assinaturas divididas entre PC do B, PSOL, PSB e PPS. Praticamente todos os partidos assinaram em apoio à PEC 33 de 2011, sejam de situação ou de oposição, o que me leva a uma reflexão muito simples: a PEC 33 de 2011 não é de um partido, mas sim da classe política, que em muito se beneficia com o precedente que, agora, se pretende abrir.

Outro dado importante e que não pode ser esquecido: um dos relatores da PEC 33 de 2011 é deputado federal pelo PSDB de Goiás – e ele se demonstrou completamente favorável aos termos assustadores do texto.

Por mais que não se aprecie um partido político, temos que ser justos e concordar com sua importância, qual ela seja. Ninguém pode, por exemplo, negar a importância do PT ou do PSDB, nem do DEM ou do PC do B. O que falar então do PMDB, fundamental à volta da democracia no Brasil? Por mais que não consigamos ver bons exemplos em determinada agremiação política, o simples fato de que existam significa que vivemos em uma democracia! - a mesma democracia que permite, por meio de voto universal e secreto, que um Partido dos Trabalhadores se mantenha na chefia do Poder Executivo desde janeiro de 2003.

E sobre o Partido dos Trabalhadores, vou contar dois casos rápidos:
1º caso - Na 1ª eleição direta para Presidente da República, pós ditadura, em 1989, eu tinha 11 anos e nem sabia o que se passava no Brasil. Como minha mãe declarava voto em Lula, eu, criança, acabava acompanhando-a. Um dia, na casa de um amigo de colégio tomando banho de piscina, não sei por qual razão resolvi gritar “Lu Lala, Brilha uma estrela!” Quase que imediatamente, a mãe do meu colega veio correndo, olhos vermelhos de raiva, perguntando quem tinha gritado aquilo. Eu respondi que havia sido eu, e então levei uma grande bronca. Em resumo, ela disse que eu não tinha autorização para falar ‘aquilo’ na casa dela, que aquele homem era um bandido. Muito braba, determinou o fim do banho de piscina, colocou o filho de castigo e ligou para que minha mãe fosse me apanhar.
2º caso - Não foram poucas as pessoas que, de forma aberta, declararam intenção de sair do Brasil caso Lula fosse eleito em 2002. Alegavam a insegurança que resultaria de um presidente do PT, que ricos seria caçados e que o Brasil entraria nas trevas.

De certa forma, ainda é a ideia que muitos têm do PT e dos petistas, o mesmo PT e petistas que, desde 2003, ocupam a chefia do Poder Executivo federal – além de diversos cargos de governador, prefeito, vereadores, deputados estaduais, federais e senadores.

Isso é possível porque vivemos em uma democracia!, porque temos Poderes independentes e fortes, com atuações definidas de forma clara em uma Constituição elaborada por representantes do povo! Viver em uma democracia significa que o governante de hoje pode não ter sido escolhido por mim, mas não há dúvidas de que tem o direito constitucional de estar ali.

E Democracia só funciona se a Constituição for respeitada, e se os Poderes foram independentes, justamente o que, creio, deixará de ocorrer caso a PEC 33 de 2011 seja aprovada.

Vejam um dos pontos propostos – o artigo 3º da PEC 33 de 2011 propõe que se mude o art. 102 da Constituição Federal, que passaria a ter a seguinte redação:

Art. 102. ...
...
§ 2º-A As decisões definitivas de mérito proferidas pelo Supremo Tribunal Federal nas ações diretas de inconstitucionalidade que declarem a inconstitucionalidade material de emendas à Constituição Federal não produzem imediato efeito vinculante e eficácia contra todos, e serão encaminhadas à apreciação do Congresso Nacional que, manifestando-se contrariamente à decisão judicial, deverá submeter a controvérsia à consulta popular.

Agora, somente a título de comparação, leiam o art. 96 da Constituição brasileira de 1937:

No caso de ser declarada a inconstitucionalidade de uma lei que, a juízo do Presidente da República, seja necessária ao bem-estar do povo, à promoção ou defesa de interesse nacional de alta monta, poderá o Presidente da República submetê-la novamente ao exame do Parlamento: se este a confirmar por dois terços de votos em cada uma das Câmaras, ficará sem efeito a decisão do Tribunal.

A polaca
Vocês lembram dessa malfadada Constituição de 1937? Poucos aqui devem tê-la vivido, mas ao menos devem ter estudado no colégio: Constituição de 1937, a Polaca, outorgada pelo presidente/ditador Getúlio Vargas em 10 de novembro, mesmo dia em que foi implantada a ditadura do Estado Novo. Ela foi redigida pelo ministro da Justiça de Vargas, o Sr. Francisco Campos, e aprovada de forma prévia por Vargas e pelo seu ministro da Guerra, Eurico Dutra.

Ou seja: a intervenção de outro Poder nas atribuições do Supremo não é novidade. Já tivemos algo bem parecido, e, com tristeza, comprovo que isso aconteceu durante uma das mais tristes situações para o Brasil – durante uma ditadura de cunho fascista que massacrou opositores, torturou e matou quem fosse contra – tudo isso sem que houvesse uma única voz capaz de calar tantos crimes.

O STF é essa voz, principalmente pelo fato de ser, de acordo com a vontade do constituinte originário de 1988, o Guardião da Constituição. Num velho jargão jurídico, dizemos que ”a Constituição é aquilo que o Supremo diz que ela é.” O STF, que comanda o Poder judiciário brasileiro, deve então ser totalmente independente - e não pode sofrer qualquer turbação em suas funções: é isso que garante que eu possa escrever este texto, que jornais sejam publicados amanhã - e que o PT continue elegendo um presidente da República, enquanto assim desejar o povo.

Não creio que tenha capacidade técnica para afirmar que os Ministros do STF erram!

Posso não concordar com algumas decisões da Corte, e isso ocorre com certa frequência. Posso achar que, em determinados momentos, Ministros do STF julgam mais com coração do que com técnica. Posso achar que os Ministros do STF, certas vezes, por viver em um mundo idílico, acabam decidindo em desacordo com a sociedade! Posso até ver traços de arrogância em alguns deles, que acabam se fantasiando de pavões no momento do julgamento.

Tudo isso são possibilidades - mas prefiro mil vezes essas possibilidades, e um Judiciário plenamente independente, do que regras que pretendam evitar tais interferências, mas que resultem em um Judiciário fraco e engessado.

No mais, venhamos e convenhamos: qual o agente político que consegue agir totalmente apartado de suas emoções e vontades? Lembrem que agentes públicos ou políticos são, antes de qualquer coisa, humanos – passíveis de erros e paixões. E se o problema é a boçalidade dos semi-deuses do STF, que dizer da igualmente assustadora boçalidade de Ministros de Estado e Parlamentares que, achando-se sobre-humanos, entendem por bem evitar regras aplicadas ao demais mortais (impagável a frase da filha do atual Governador do Estado, quando teve que evacuar seu apartamento, vitimado por graves rachaduras: “se acontece isso comigo, imagina o que não acontece com as pessoas normais” – não lembro exatamente do comentário, escrevi algo aproximado. Se alguém lembrar da frase exata, me informe).

O próprio Congresso está repleto de interesses e vontades que, muitas vezes, acabam por gerar leis bem pouco técnicas, baseadas mais na emoção do que na razão – e leis que, diga-se de passagem, influenciam diretamente nas nossas vidas. O mesmo acontece no Poder Executivo. Obvio que isso não representa a maioria dos atos, eis que felizmente ainda predomina a excelência profissional da maioria.

A mim, isso não importa – prefiro decisões eivadas das falhas de humanidade do que a ausência de decisões independentes.

Também acho inexpressíveis comparações entre o sistema de controle constitucional brasileiro e de demais países. Vi duas comparações: com o Canada e com a França. Pois bem, primeiro ponto – o Brasil não é Canada e nem França. Nosso sistema de controle de constitucionalidade é único, funciona muito bem e serve de exemplo para diversos outros países ao redor do mundo. Essa foi a escolha do constituinte originário de 1988, e isso deve ser respeitado! Segundo ponto – o sistema penal canadense e francês funcionam de forma exemplar, principalmente no que se refere a crimes cometidos por políticos. Qualquer político que ouse cometer algum crime, seja crime comum, seja crime ligado à sua atividade política, amargará longo período preso – e nada é mais justo. Durante algum tempo tive o possibilidade de morar na França – e não raramente vi políticos serem presos após julgamentos justos e públicos. Lá, é a prática. Aqui, exceção! Segundo o site do Congresso em Foco, 191 parlamentares (160 deputados e 31 senadores) são alvos de 446 inquéritos e ações penais no STF. Quase 40% dos 81 senadores têm contas a acertar com o Supremo. São justamente aqueles que a população escolheu para legislar em seu nome, os que deveriam ser, à sociedade, exemplos de boa conduta. Crimes que vão desde o crime político, como as sempre presentes acusação de desvio ou mau uso de dinheiro público, até acusações de homicídio, sequestro e associação ao tráfico de drogas

E “se o cenário hoje não é animador, acredite, já foi bem pior. Até 2001, o Supremo precisava da autorização da Câmara e do Senado para começar a investigar deputados e senadores. Na prática, o mandato era um salvo-conduto para a total impunidade. Desde que foi promulgada a Constituição em vigor, o Supremo levou 22 anos para impor a primeira condenação a políticos, em 2010.” Os paraenses têm, inclusive, um bom motivo para se envergonhar: dos seis políticos já condenados à prisão pelo STF, um ainda é Deputado federal eleito pelo voto popular - Asdrubal Bentes, do PMDB, condenado a três anos, um mês e dez dias de prisão por promover laqueaduras de trompas de forma indiscriminada em eleitoras (e obteve 87.681 votos em 2010). Asdrubal permanece solto, e deputado.

Sinceramente, é esse o Congresso que vai rever as decisões de inconstitucionalidade de Emendas à Constituição oriundas do STF?

E então, se o Congresso não concordar com a decisão do STF, vamos ao plebiscito - e lá vai mais dinheiro público em consultas populares que acabarão se tornando mais e mais frequentes. Quem lembra da quase guerra fratricida quando do plebiscito pela divisão do Pará? Feridas ainda estão abertas - e o Governador ainda tem receios de vaias e rejeição no sul do Pará. Pior de tudo: em um plebiscito, quem vai decidir não é a razão, mas sim a emoção - e quem tiver o melhor marqueteiro certamente vai ganhar. Aí você imagina na sua televisão as cenas de choro, extremamente emotivas, com músicas tocantes, tudo para decidir sobre maioridade penal, aborto, casamento de pessoas do mesmo sexo... 

Por fim, uma última história – um desabafo, na verdade. Um amigo do Ministério Público confidencia: aqui estamos abalados, levando porrada de todos os lados por conta da PEC 37 (que pretende restringir o poder de investigação do MP). E quando menos esperamos, surge uma PEC batendo no STF!? Porra, cara! Se os políticos acham que podem tirar a decisão final de inconstitucionalidade do STF, imagina o que não acham que podem com o juiz lá do fim do mundo!?

Por enquanto, deixando de lado o tecnicismo legal e o juridiquês, é o que tenho a falar. A questão deve ser discutida, deve ser colocada na mesa de forma imparcial e sem acusações mútuas, dignas da pior imprensa e do pior debate. 

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