sábado, 25 de maio de 2013

As três meninas


São três as meninas bonitas no barco, morenas que podiam representar qualquer lenda amazônica que envolva mulheres bonitas. Morenas de cabelos longos e negros, lisos, e no rosto a certeza do local onde nasceram, herança genética que nunca poderão esconder.
São três as meninas bonitas no barco que não viajam sozinhas: duas são acompanhadas por um estranho tio, figura que bem poderia representar qualquer estereotipo do submundo humano; a outra é seguida de perto por uma tia-cão-de-guarda, senhora gorda e sebosa que fuma um cigarro atrás do outro.
São três as meninas bonitas no barco que seguem caladas, mas com os rostos cheios de esperança, sempre sentadas de forma obediente ao lados dos seu tutores que bebem muito e fumam muito.
São duas as histórias que contam, tão repletas de felicidades que dificilmente se pode acreditar.
É somente um o destino: o Suriname.
Duas vão visitar a mãe, enquanto a outra pretende reencontrar um namorado. Quando se pede mais informações surge a explicação do tempo passado que tudo apaga da memória, desculpa perfeita dos que querem calar: a mãe se mudou quando elas tinha 12, 11 anos, então nada se lembram. O namorado já esta fora desde 2010, então nem sabe como será o reencontro. A vagueza das respostas, impregnadas de receio, é observada com discreta aprovação pelo tio e tia que só faltam balançar a cabeça diante do que parece ser o bem mandado.
São três as meninas bonitas no barco, todas muito novas em seus 18 19 anos, meninas já em corpo de mulher que fazem virar cabeças e despertam olhares cheios de inveja.
São três as meninas bonitas no barco que vão tirar passaporte em Santarém. Depois de breve escala em Belém, partirão para uma vida nova em Suriname, e me lembro dos rostos cheios de esperança, o Suriname afamado por verter juventudes e vidas de mulheres jovens, quase sempre brasileiras, local de muito garimpo e, por consequência, de muitos homens solitários que desejam sempre mais e mais mulheres bonitas e jovens, igual às três meninas bonitas e jovens que seguem neste meu barco.
As sombras no Tapajós escondem muitas coisas que o Tapajós
prefere não ver...
Que sejam felizes! Que tenham sorte!
E que o mundo não seja demasiadamente cruel com seus sonhos e esperanças.

quarta-feira, 22 de maio de 2013

O Leão III


Por mais que, aparentemente, não haja ordem alguma no amontoado de barcos ancorados no cais de Santarém, é fato que existe uma organização que passa despercebida aos meros mortais, talvez fruto de anos de sabedoria e entendimento entre o rio e os homens. Basta abordar qualquer pessoa, informar seu destino e logo lhe serão dadas todas as opções de transporte disponíveis.
O Leão III, barco valente.
Foi assim que cheguei ao Leão III, barco típico da região Norte do Brasil, que comumente chamamos de gaiolas. Não há grande fuga à regra: barcos de madeira, geralmente pintados de branco, em contraste com outras cores extremamente vivas, com amplos espaços para atar redes e poucos camarotes. No caso do Leão III, que faz o trajeto entre Santarém e Itaituba, com escalas em Aveiro e Fordlândia, são dois déques apinhados de coletes laranjas, além de barras de ferro azuis, com ganchos, nos quais serão penduradas as redes que logo aflorarão por todos os lados. 
As redes no Leão III no déque superior - neste momento ainda
eram poucas.
No déque superior se localizam quatro camarotes para passageiros, compartimentos duplos, com beliches e ar condicionado, espaços quase sem espaço em apertadura surpreendente que assusta em primeira vista, mas que se revela acolhedor ao longo da viagem. A completar a estrutura do barco, um refeitório (com PF custando 10 reais), uma lanchonete (onde uma Coca em lata custa assombrosos seis reais), um vasto porão e camarotes de tripulação localizados bem acima da trepidação barulhenta do motor, no déque inferior.
O camarote 4 do Leão III - não se deixe levar pela imagem.
Ele é bem melhor do que aparenta.
Aqui há de tudo: há doentes que terminam tratamento em Santarém e voltam para casa, há pessoas que vão visitar parentes, além dos muitos que, acostumados com o vai e vem da vida, trabalham numa ponta ou outra do caminho. Algumas histórias chocam, como a senhora beneficiada do TFD, Tratamento Fora do Domicílio, que se trata no Regional de Santarém e faz regularmente a viagem pelo rio. Ela sofre de graves problemas na tireoide e recebe somente as passagens de barco. Somente isso. Hospedagem e alimentação ficam por conta dela, que faz verdadeiro malabarismo para seguir adiante com o necessário cuidado médico. Suas reclamações são muitas: desde a confusão na marcação de exames, o que já a obrigou a arcar com muitos deles com dinheiro tirado sabe-se lá de onde; até o médico, que sabendo vir a paciente de longe, se dá ao direito de faltar ao trabalho por razão qualquer. Quando a conheci, havia sido exatamente assim: consulta marcada com antecedência, viagem realizada e médico ausente. E volta a paciente no mesmo pé para sua casa, já que não tem onde ficar, e nem como pagar um hotel ou comida, uma vinda totalmente perdida.
O Leão III singra pelo rio Tapajós, um dos mais belos e mansos que já vi. O barco quase não balança no rio de poucas ondas, diferente dos trajetos ao Marajó, seja para Soure ou Salvaterra (com uma baia terrível no meio do caminho), ou para Afuá, pelo outro extremo (com duas baias terríveis no meio do caminho).
O rio só balança quando chove, explica a senhora responsável pela lanchonete e pela caixa de som que cospe tecnobrega em último volume. Ela diz que muitos já se machucaram para valer no balançar quase assassino de quando chove, movimento que joga as redes com violência contra paredes e pilastras. Hoje temos calmaria, para nossa felicidade.
A risonha vendedora da lanchonete, sempre pronta ao bom papo.
Apesar da beleza do Tapajós, pouco se vê dá margem tão distante, o rio que, em lugar comum, comparamos sempre com o mar. As margens ficam longe, distantes da vista, o que também faz ficar longe o ribeirinho e sua miséria, população praticamente à margem de tudo e todos, dependente somente de si para sobreviver da forma que der. E se não vemos as margens, vemos o ocaso no rio, assim como veremos o nascer do sol que promete ser único, em luz que só deve existir aqui no Tapajós.
A luz no Tapajós é única. Nenhum outro lugar apresenta cores
iguais às do Tapajós
Também há experiências que não podem passar batidas, que deveriam ser experimentadas por todos que aqui habitam para que pudessem entender bem o que é o Norte:
Estar num barco aparentemente frágil, em rio enorme de vista sem fim, de margens perdidas no horizonte, embarcação pontilhada de redes de diferentes panos, cores e tamanhos, diferenças que remetem aos seus donos, uns índios, outros caboclos, uns portugueses, ricos ou pobres, saudáveis ou doentes, todos em comunhão de espaço e em perfeita harmonia, as redes que balançam em unidade como se empurradas por mão única, invisível e divina; tudo envolvido pelo cheiro bom de comida caseira que sobe do refeitório, onde ficamos ombro com ombro, não importando quem somos, todos juntos apreciando a boa refeição, mas também a segurar o prato que treme de forma alucinada por conta da trepidação do motor - e lá estamos bem acima do motor, de onde vem o cheio de diesel que se mistura com o cheiro da carne assada e do frango guisado. O refeitório do Leão III não permite apreciar a comida, que bem merecia ser apreciada pela sua simplicidade, honestidade e tempero único, o local de tremores mecânicos que só motiva o mastigar veloz para que possamos nos liberar da fome e fugir para áreas mais aprazíveis da embarcação, tudo embalado pelos acordes agudos do tecnobrega que abraça a todos, a caixa de som enorme prostrada no balcão da lanchonete, vomitando amores perdidos em traição, e que embala os que miram de forma automática o horizonte, olhar vazio, a música alta que não possibilita pensamento interno ou íntimo, tudo regado por latas de cervejas e mistos-quentes vendidos a preços absurdos àqueles que não têm muitas opções.
Entrada do Camarote 4, meu lar nas 18 horas de viagem entre Santarém e Itaituba.

quarta-feira, 15 de maio de 2013

Vamos levantar do sofá?

Então, vivemos reclamando de tudo e de todos?
Então, ficamos sempre criticando o que consideramos errado, mas nada fazemos?
Queremos que as coisas mudem, mas não fazemos nada para mudá-las!
As coisas só mudarão se a gente levantar e fizer algo acontecer!
Nós fizemos. 
Em tempo recorde montamos o ciclo de debate abaixo.
Sem um tostão. Sem um centavo. Na cara. Na coragem.
Somente com vontade. E ajuda de quem pôde.
Tudo isso para mostrar que é possível fazer algo.
Qualquer coisa. 
Basta querer.
Estejam conosco no evento abaixo. É o primeiro. Haverá um segundo.
E um terceiro. E assim a gente ao menos discute.
Pensa.
Venham!

segunda-feira, 13 de maio de 2013

2013 - Marighella - O guerrilheiro que incendiou o mundo

Marighella - O guerrilheiro que incendiou o mundo, de Mário Magalhães, Companhia das Letras, São Paulo, 2012, 732 páginas.

O livro é interessantíssimo. Conta a história de Carlos Marighella, do nascimento até sua chacina pelos agentes da ditadura militar em São Paulo, em 04 de novembro de 1969.
Marighella abdicou de tudo para lutar contra as ditaduras que afloravam em terra brasileira, tendo relativa paz somente nos breves períodos em que o Brasil se encontrou mais "arrumado" politicamente. 
Membro de primeira hora do Partido Comunista Brasileiro, PCB, levava como rígida regra de vida sua ideologia - o que lhe manteve longe de riquezas, luxos ou facilidades.
Optando sempre pelo caminho mais tortuoso, mas necessário, largou o partidão quando, após o golpe de 64, viu a necessidade de intensificar a luta contra os militares, fazendo questão de sair do campo exclusivo da ideias defendido pelos comunistas de carteirinha. 
Pegou em armas, criou a ALN, Ação Libertadora Nacional, e implantou a guerrilha urbana no país, como meio para desenvolver a guerrilha rural, este sim seu grande objetivo. Foram assaltos a Bancos, empresas e onde mais pudessem arranjar dinheiro, o que chamava de expropriação à causa patriótica.
O livro é interessante porque passa em revista boa parte da história do Brasil, dando enorme foco aos períodos ditatoriais, além de revelar não somente os acertos e qualidades do biografado, mas também seus erros e defeitos.
Alguns pontos, com o tempo, deverão ser corrigidos pela história e pelos fatos, e personagens retratados no livro como grandes revolucionários ainda serão mostrados como merecem sê-lo. Ao menos tenho essa esperança.

Livro 2.