Tio Flávio era um homem
baixinho, altura que sempre foi acompanhada pelo tom da sua voz. Chamá-lo de
tio era uma liberdade e tanto diante da nossa relação distante: ele era tio da
minha madrasta, que me recuso a descrever como madrasta, pois é minha mãe tanto
quanto minha mãe o é.
Tio Flávio eu via pouco, quase
somente nas festas de família, e sempre era eu quem lhe dava carona de volta
para casa, pois ele dizia que eu dirigia com calma, e ele era um homem calmo,
então combinavam, meu dirigir e seu temperamento.
Outra característica de tio
Flávio era a forma suave de enfrentar problemas, tudo representado nas diversas
histórias que nos faziam gargalhar.
Tio Flávio tinha uma grande casa
em Mosqueiro, beira da praia, casa daquelas antigas cheia de quartos e salas,
e, justamente por isso, sempre cheia de filhos e amigos de filhos, e primos e
amigos de primos, e, algumas vezes, até pessoas que ele nem sabia quem eram,
todos recebidos sempre com muito carinho. Em uma dessas vezes, segundo nos contava,
pelos seus cálculos estavam hospedadas mais de 40 pessoas entre redes, camas e
colchonetes. Acontece que a casa só tinha um grande banheiro de uso comum,
imaginem a bagunça que era aquilo, e então, lá pelo meio do dia, alguém reparou
que tio Flávio andava pelos longos corredores de camisa social sem mangas e
bermuda, com sua escova de dente pendurada no bolso da camisa tal qual fosse
uma caneta.
Questionado, a resposta foi
simples e certeira:
“meu filho, com tanta gente em casa, será que todos trouxeram escova de
dente? E eu vou bem deixar a minha escova lá? Melhor ela aqui, pois assim sei
que ninguém a usou.”
Isso me fez lembrar de história
contada por uma amiga de minha mãe, professora universitária, pessoa muito boa,
muito boa mesmo, que certa vez, nos idos de 1970, recebeu em sua casa um senhor
vindo de interior muito remoto, meio aparentado, para que fizesse um breve
tratamento de saúde em Belém.
A amiga de minha mãe mostrou-lhe
o quarto de hóspedes e o banheiro único da casa, deu-lhe uma chave para que tivesse
liberdade para exames e consultas, e assim voltou para sua intensa vida
acadêmica. Depois da chegada do homem, quando acordava de manhã percebia sua escova de dente úmida, como se tivesse acabado de ser usada, coisa que se repetia depois do
almoço e depois do jantar... Até que, em um belo dia, flagrou seu aparentado escovando os dentes com sua escova e então entendeu tudo:
“Seu Fulano, essa escova é minha. O senhor tem que usar a sua escova!”
“Ah, é tem uma escova para cada um? Achava que era que nem vassoura, uma
para a casa toda...”
E este mesmo senhor, depois de
uma consulta médica, recebeu receita pela qual teria de usar supositórios. Ele
trouxe a receita para a amiga de minha mãe. que o acompanhou até a farmácia e,
juntos, compraram o medicamento. Por achar que ele sabia o que fazer com
aquilo, e para evitar o constrangimento que sempre envolve o uso dos
supositório, a amiga de minha mãe ficou calada, já tendo feito sua parte.
Dias depois, ao perceber que o
homem não melhorava do problema de saúde, muito ao contrário, piorava, a amiga
de minha mãe perguntou:
“Senhor Fulano, está usando direitinho o remédio que o médico passou, o
supositório?”
“Dona Fulana, eu bem que tentei, mas aquela pílula é muito grande, quase
morro engasgado com aquilo. Depois da segunda, desisti.”
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